Monday, December 28, 2009

Avatar

Fui ver “Avatar” no IMax. Personagens “planos”, roteiro bem fraquinho, previsível, cheio de lugares-comuns. Visualmente deslumbrante.

A sétima arte pode fazer, basicamente, duas coisas: 1) contar uma boa história; 2) encantar a visão. Avatar cumpre maravilhosamente o segundo item, embora deixe muito a desejar no primeiro.

Mal comparando, é como num quadro: uma pintura abstrata pode ser linda e arrebatadora, mesmo sem “contar uma história”, assim como uma cena histórica importante, por exemplo, pode ser retratada com maior ou menor habilidade pelo pintor e ficar mais ou menos bonita.

Avatar é assim: uma história óbvia e sem graça que serve para apresentações visuais fantásticas. Resumindo: é um filme que merece ser assistido por quem gosta de ver coisas belas.

Friday, December 25, 2009

Segurança nos estádios: o normal, o excepcional e o paranoico


O caso da violência no estádio Couto Pereira após a partida Coritiba x Fluminense tem dominado o noticiário esportivo. Independentemente das consequências que o fato possa ter para o clube, a questão possibilita algumas reflexões importantes. Em primeiro lugar, é preciso ter claro que a violência não é “privilégio” dos estádios de futebol. Ela existe na sociedade e se potencializa em aglomerações, ainda mais as que envolvem paixão, como é o caso das partidas de futebol. Ademais, é curioso, ante a ameaça de violência, atestar a ideia um tanto generalizada de que a lei pode resolver tudo, inclusive os problemas sociais. Há uma fantasia difusa de que basta criar uma lei para que um problema se resolva, como se a lei tivesse um poder mágico de transformação social, o que é absolutamente irreal.

No caso específico da invasão do campo do Coritiba, a legislação indica as atitudes esperadas de uma agremiação esportiva. O artigo 211 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva penaliza a instituição que “Deixar de manter o local que tenha indicado para realização do evento com infraestrutura necessária a assegurar plena garantia e segurança de para sua realização”. Já o artigo 213 prevê sanções à entidade que “Deixar de tomar providências capazes de prevenir e reprimir desordens em sua praça de desporto” – e seu parágrafo primeiro completa: “Incide nas mesmas penas a entidade que, dentro de sua praça de desporto, não prevenir e reprimir a sua invasão bem assim o lançamento de objeto no campo ou local da disputa do evento desportivo”. Alegar que o Couto Pereira não tem a infraestrutura necessária para um jogo de futebol é afrontar a realidade. O estádio tem condições semelhantes à da grandíssima maioria dos estádios brasileiros. Dizem os críticos que a estrutura não impede a invasão dos torcedores. Mas qual estrutura faria isso? Um fosso de seis metros de largura e cinco de profundidade, guarnecido por grades de ferro pontiagudas? Ridículo.

Muitos dos fantásticos estádios europeus não têm qualquer barreira física entre a torcida e o campo. Um bom exemplo é o magnífico Estádio do Dragão, do Futebol Clube do Porto, em Portugal. A primeira fila de cadeiras está a cerca de cinco metros da linha lateral do campo, e não há qualquer barreira física que impeça a invasão – apenas uma mureta baixa de menos de um metro de altura (ver foto nest post). A segurança dos 40 mil torcedores em dia de grandes jogos é feita por 200 guardas desarmados.

Qual seria o efetivo necessário para impedir a invasão do campo no Couto Pereira numa partida com 35 mil torcedores? Provavelmente, 300 soldados armados de metralhadores e granadas! Sim, pois se os 35 mil resolvessem invadir o campo para massacrar os jogadores, o trio de arbitragem, os dirigentes e os policiais, ninguém poderia impedir – a não ser muitos soldados fortemente armados. E como “prevenir e reprimir” o “lançamento de objeto no campo”? Como evitar que cada um dos 35 mil presentes jogue qualquer coisa no gramado? As atitudes possíveis são aquelas tomadas por todos os clubes: encher o estádio de avisos, repeti-los no sistema de som do estádio, pedir aos próprios torcedores que denunciem os infratores para que sejam detidos. O único modo de cumprir à risca o que manda a letra da lei seria não ter torcedores no estádio, ou cercar o campo com o célebre “escudo magnético de segurança” da nave espacial da antiga série “Perdidos no Espaço” – coisa de ficção, portanto.

Como a lei não tem o poder mágico de fazer com que os problemas se resolvam, o julgador, em geral, tem o bom senso de avaliar as atitudes possíveis, e não aquelas imaginadas pelo regulamento, muitas vezes idealizadas e impossíveis. Portanto, no caso concreto do Coritiba, pode-se dizer que o clube tomou as providências cabíveis. A infraestrutura do estádio é adequada, o efetivo era o necessário. Afora isso, não há como impedir um bando de arruaceiros de invadir o campo – salvo dos modos excepcionais já mencionados, que não se justificam em situações ordinárias, como é uma partida de futebol como todas as outras milhares realizadas ao longo do ano em centenas de estádios Brasil afora. Numa situação extraordinária como a que ocorreu, a polícia agiu conforme deveria. Após o fato, o que se pode fazer é punir os vândalos – e para isso o clube tem colaborado ativamente.

O Coritiba provavelmente receberá uma punição dura, a pretexto de servir de exemplo. Mas de nada adiantará, pois não há mais o que fazer nos estádios além daquilo que fez o clube, igual ao que todos fazem. A vida em sociedade pressupõe um determinado padrão de comportamento das pessoas, sem o qual o convício social seria impossível. Não deixo de andar na rua XV com medo de que os passantes me assaltem – embora fosse impossível eu me safar se os pedestres da XV de repente resolvessem deixar-me nu na rua, levando todos meus pertences – independentemente da existência de câmeras de vigilância, policiais ou qualquer outra coisa. Isso não acontece, pois vivemos numa situação de normalidade, baseada num pacto social que possibilita o convívio coletivo. Quem rompe essas regras de normalidade é o criminoso.

Já se tornou lugar comum afirmar que se os favelados do Rio de Janeiro resolvessem descer o morro para saquear o comércio não haveria como impedir. E não haveria mesmo, salvo em condições de guerra assumida. Mas todos sabem que isso não vai acontecer – não apenas porque a quase totalidade dos moradores das favelas cariocas é composta por gente trabalhadora e honesta, mas porque, em condições normais, as pessoas respeitam o pacto de convívio social. Em lugares onde há conflito declarado, as coisas mudam. Se aqui os shoppings centers não têm qualquer esquema de segurança que impeça alguém de entrar com uma bomba, o mesmo não acontece, por exemplo, em Bogotá, na Colômbia, onde em alguns shoppings os carros que entram são revistados com o auxílio de cães farejadores de explosivos. Lá, a normalidade foi rompida pela atuação da guerrilha – embora os atentados na capital colombiana não aconteçam há tempos, o que inclusive tem levado ao afrouxamento das medidas extraordinárias de segurança.

O que houve no Couto Pereira, portanto, foi uma situação de excepcionalidade que não há como prevenir senão com ações excepcionais – e não seria o caso de preparar essas ações, porque seria inviável haver em cada estádio de futebol um aparato de segurança comparável ao que se usa num país em guerra. Se havia uma ameaça prévia, o clube providenciou um número bem maior do que o habitual de seguranças particulares, assim como a Polícia Militar designou um efetivo maior de policiais para a garantia da ordem no estádio.

Aqueles que rompem o pacto de convívio social devem ser punidos. De resto, não há por que viver uma paranoia de segurança como se todos os eventos com grande número de pessoas pudessem transformar-se no Armagedon. Em condições normais, a segurança dos estádios de futebol tem sido adequada, e uma punição excessivamente rigorosa a um único clube, por um caso excepcional, em nada mudará o panorama.

Wednesday, December 23, 2009

Sobre viver e morrer

No mês passado, recebi a inesperada notícia de uma morte precoce na família. A morte de uma prima que esteve muito presente na minha infância. Nossas famílias eram muito próximas e parecidas: pai, mãe e quatro filhos. No caso dela, quatro filhas; na minha família, três meninos e uma menina. Nos encontrávamos todo final de semana, brincávamos juntos.

Foi de repente, um câncer fulminante, que a levou em menos de dois meses depois de descoberto. Há décadas, desde que me mudei com a família de Cambará para Curitiba, não tínhamos contato constante. Mas as lembranças são marcantes.

Tudo que sei de seus últimos dias é edificante. Ao contrário da ideia talvez generalizada, sua morte parece-me – com exceção, obviamente, da precocidade – o tipo de morte ideal, a morte de antigamente: aquela na qual há tempo para pensar, refletir, preparar-se, despedir-se. Contaram-me que foi exatamente assim com ela, que pôde falar com cada uma das filhas, com o marido, com as irmãs, com aqueles que a assistiam nos últimos instantes. Não, nada da morte repentina e imediata, tão desejada por muitos hoje, mas a “morte bem morrida”...

Lívia, leve, nívea, neve... As palavras que me vinham quando pensava no seu nome não correspondem exatamente à imagem que sempre tive dela, muito mais cheia de cores: uma mulher sempre jovem, sempre muito bonita, animada, forte, corajosa, independente. Tão corajosa a ponto de criar três filhas no mundo de hoje!

Sua cerimônia fúnebre foi de forte emoção. Eu, que já fui muito religioso e hoje sou um tanto cético, admirei-me da força de sua família. Para mim, a morte é incompreensível – as explicações da religião parecem-me construções consoladoras diante do inexorável. Mas vi nas minhas primas uma força que certamente vem de suas convicções religiosas.

Na cerimônia fúnebre que poderia ser qualificada de “pós-moderna” – tão adequada aos tempos de hoje, sem perder nada da dignidade e da emoção próprias de um momento como esse – foi exibido um filme com uma mensagem muito bonita. Falava de um veleiro que se distanciava da costa: aqueles que o viam partir o perdiam de vista e poderiam acreditar que ele desaparecera na linha distante onde o céu toca as ondas. Entretanto, além-mar, os que esperavam do outro lado a chegada do veleiro viam-no crescer pouco a pouco até se aproximar. Apesar das diferentes visões, o barco que atravessou o oceano era sempre o mesmo, igual a si próprio, íntegro, em qualquer dos lados da passagem. Uma bela mensagem, talvez enfim um consolo para minha visão inconsolável da morte.

Ao final, as tocantes palavras de despedida dos familiares, para as quais não há comentário possível senão as lágrimas... Felizes dos que têm a certeza do reencontro!

Monday, December 21, 2009

Um bom livro!


A Editora Pós-Escrito acaba de lançar seu 21º livro, o segundo de literatura. Trata-se de “Contos e outras coisas de Eribar”. A obra é uma coletânea de contos, crônicas, poemas, textos para teatro e “outras coisas” do advogado e escritor Eriel Barreiros.


O livro é muito interessante. Os contos são bastante divertidos e criativos. As crônicas, em geral, tratam da vida rural ou miserável, das mazelas do homem, que está sempre colocado diante da escolha entre fazer o bem ou o mal. Não é difícil chegar às lágrimas lendo algumas delas.


Para quem quer uma leitura prazerosa, que levará ora ao riso, ora à reflexão, recomendo vivamente. No início do ano que vem, a obra deverá estar nas livrarias. Por ora, pode ser encomendado pelo e-mail posescrito@hotmail.com.


Além do ótimo conteúdo, o livro tem uma apresentação gráfica muito bonita. Com 224 páginas, está com preço de lançamento de R$ 30,00.


Sunday, December 20, 2009

Sim, eu gosto de televisão!

Sou da geração que viu a TV difundir-se e tornar-se o entretenimento número 1 do brasileiro. Adoro TV. Gosto de sentar-me na poltrona e “zapear” pelos diferentes canais - e sempre encontro coisa boa para ver. Na TV a cabo, há pilhas de programas muito atraentes.

Mas na semana passada, chegando em casa às 22h30min, depois do trabalho (horários de professor...), relaxei diante da telinha, após o banho e o jantar. Tive o prazer de assistir a um pedaço do jogo da seleção brasileira feminina de futebol contra a China. Dá gosto de ver as meninas. Elas lembram a seleção masculina de 1970: muita técnica, lances belíssimos, a genialidade da Marta (que merece o quarto título de melhor do mundo, ou então ser declarada hors concours). E menos organização tática, menos força física. Enfim, um presente para os apreciadores do “futebol arte”.

Vi também a final do Ídolos 2009. Gosto do programa. Não posso assistir a todos, mas torci pelo Diego Morais, que acabou em segundo lugar. Diego é um dos melhores cantores brasileiros que já ouvi cantar. O rapaz é realmente muito bom e vai fazer sucesso de qualquer jeito - nem precisava mesmo ganhar o Ídolos. Mais ou menos como aconteceu com Susan Boyle, que ficou em segundo no Britain’s Got Talent (o similar britânico do Ídolos). O grupo de dança que venceu precisava muito mais da vitória do que Susan, que já era uma celebridade com certeza de sucesso bem antes da finalíssima do programa.

Sunday, December 13, 2009

Sampa

Estive em São Paulo para fazer um curso de três dias. Fiquei hospedado na Av. Brigadeiro Luís Antônio – o curso era na Av. Paulista, de modo que eu podia ir e voltar caminhando.

Morei alguns anos em São Paulo. Conheço os pontos positivos dessa cidade incrível: se os limites do município fossem transformados nas fronteiras de um novo país, esse país teria tudo.

Mas esses três dias de experiência mostraram-me uma São Paulo horrível. Cheguei de manhã e peguei o metrô. Tive que esperar dois trens para conseguir entrar num vagão superlotado, carregando minha bagagem. A vantagem foi não precisar segurar em nada: não havia como cair de tão espremido que eu estava.

A Brigadeiro é feia – calçadas irregulares, prédios velhos, casas aos pedaços. E revela uma face dolorosa de Sampa: uma quantidade inacreditável de moradores de rua. Famílias inteiras, de cinco, seis, oito pessoas dormindo ao lado de seus carrinhos de papel. Triste.

Certa tarde, caiu uma tempestade. A cidade tornou-se um caos ainda maior. Na volta para casa, vi de longe, na calçada, umas 200 pessoas aglomeradas. “Será uma manifestação?” – perguntei-me. Não, não parecia, estavam todos parados, olhando na mesma direção. Alguém que foi atropelado? Ou caiu de um prédio? Não, nada disso – todos estavam relativamente calmos. Tive que desviar meu caminho pela rua, e então percebi: eram pessoas esperando seus ônibus! Realmente, São Paulo é algo inacreditável...

Mas vi também um lado bom: num raio de algumas quadras de onde me hospedei havia oito teatros! - um deles, o Jofre Soares, onde meu primo Renato Papa é protagonista da comédia “A sogra que eu pedi a Deus”, com todas as sessões já lotadas até o final da temporada.

Friday, December 11, 2009

Cinema

Estou de volta, depois de um longo tempo... Final de ano é fogo: muitas provas e trabalhos para fazer (como aluno) e corrigir (como professor). É difícil manter a “identidade dupla”... E ainda tive viagem, morte inesperada na família, muita coisa acontecendo...

Estive em São Paulo e aproveitei para assistir ao filme “É proibido fumar”. Bonzinho. O mais interessante do filme é a ótima atuação do Paulo Miklos.

Em Curitiba, fui finalmente conhecer a sala IMAX. Paguei R$ 15,00 (meio ingresso) para ver “Os fantasmas de Scrooge”. Foi barato. Simplesmente espetacular, uma das experiências estéticas mais fantásticas que já tive. Bem, a história do filme é tão conhecida como a Paixão de Cristo (um aluno meu, gozador, reclamava que um dia foi ao cinema ver a Paixão de Cristo e “um estraga-prazeres contou antes que o cara morre no final”), mas o filme em 3D IMAX é de uma beleza estonteante. Inesquecível. Saí do cinema com vontade de voltar no dia seguinte. Talvez volte, para ver de novo o mesmo filme. E já estou esperando ansiosamente por “Alice no País das Maravilhas” e o novíssimo “Avatar” (que, segundo noticiou hoje o UOL, “arrebatou a crítica”) - ambos estarão disponíveis na tecnologia 3D IMAX.

Monday, November 16, 2009

“Unitaliban” é “reincidente”!

Muito boa a piada do Casseta & Planeta sobre o caso da Uniban: “Diretor da Unitaliban passeia pelo pátio da universidade com ideias curtas”!

A propósito, matéria de agências noticiosas indica que não foi o primeiro caso de histeria coletiva na instituição. Um grupo de estudantes havia tentado linchar uma aluna de Educação Física, não pelo mesmo motivo que a universitária de minissaia.

Fontes entrevistadas na matéria dizem que “o ambiente do câmpus é muito hostil”.

Qual será o problema da Unitaliban?

Sunday, November 08, 2009

A “puta” e os “filhos da puta”

Estou indignado com o fato ocorrido na Uniban - universidade paulista onde uma aluna (Geisy Villa Nova Arruda) foi humilhada por estar supostamente vestida de modo inadequado. Vi no Youtube o chocante vídeo do alunos gritando “puta! puta!” quando a aluna saía escoltada por policiais.

Tentei escrever um artigo sobre o tema, mas o sangue me sobe à cabeça. Sou professor universitário há 11 anos e já vi muitas alunas vestidas igual à aluna da Uniban, ou mesmo com roupas menores e mais insinuantes. E elas nunca foram tratadas como a aluna da Uniban.

Pergunto-me o que levaram os estudantes daquela universidade a agirem do modo como agiram. Será aquela universidade um reduto de evangélicos radicais? De seguidores do taleban? De muçulmanos fundamentalistas? De fanáticos católicos medievalistas?

Será que os jovens da Uniban não fazem parte do universo de alunos de instituições particulares com os quais convivo há mais de dez anos? Gente que inicia sua vida sexual em torno dos 15 anos, que costuma “ficar” nas “baladas”, que tem uma liberdade sexual impensável há poucas décadas?

Vejo muitos jovens na praia, admirando belos corpos de mulheres seminuas, ao lado de suas irmãs e até mães, também elas com muito menos roupa do que a aluna rechaçada. Mas lá a hipocrisia social admite tais trajes como normais. Para mim, são tão normais quanto o são o vestido da aluna da Uniban.

Nada justifica a atitude dos alunos da Uniban. Nada. A não ser uma exacerbada hipocrisia social. Sinto-me enojado até em ter que discutir o tema. E mais indignado ainda fico ao saber que a direção da instituição resolveu expulsar a aluna! Espero que a estudante humilhada entre na Justiça contra a universidade e consiga um gorda indenização.

Tenho vontade de chamar os alunos da Unibam que humilharam a estudante de “filhos da puta”, mesmo qualificativo que gostaria de dirigir à direção da instituição. Mas não o faço, primeiro, porque as putas também têm sua dignidade, como todos os seres humanos, e merecem respeito. Em segundo lugar, porque as mães não podem pagar pelos pecados dos filhos.

O que mais me espanta é a terrível possibilidade que se pode vislumbrar a partir de um fato como esse: será que corremos o risco de caminhar para uma sociedade repressora dirigida por fanáticos, como acontece hoje em vários países do Oriente? Será que o Brasil pode tornar-se uma república fudamentalista por obra e (des)graça de grupos religiosos e/ou moralistas fanáticos?

Enade: prova muito mal elaborada

Perdi boa parte de minha tarde de domingo fazendo a prova do Enade - e saí com raiva. Não pela existência da prova, que acho boa e necessária - acredito que o atual Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes) é bem pensado e interessante, embora mereça alguns aperfeiçoamentos importantes.

O motivo de minha raiva foi a baixíssima qualidade da prova. A quantidade de erros de português nas questões era incrível. A escolha dos textos de apoio, em alguns casos, era completamente infeliz. Vários enunciados eram mal elaborados e confusos.

Um exemplo de cabeça, pois não esperei o tempo mínimo para sair com o caderno de prova: o enunciado de uma questão criava um país hipotético (“um determinado país”) onde um empresário denunciara seu sócio estrangeiro, com base em inverdades, na esperança de que com isso o sócio perdesse “o visto brasileiro” e ele pudesse então apoderar-se da empresa. Quem elaborou a questão, pelo jeito, não a releu, ninguém revisou. Se o fato se dá num “determinado país” que não é o Brasil, de que interessa o visto brasileiro?

“Pontos corridos”

Está novamente em discussão se o Campeonato Brasileiro de Futebol deve continuar a ser disputado no sistema de “pontos corridos”, em dois turnos, ou se deveria voltar a ter uma fase classificatória para uma segunda fase, com disputa eliminatória.

Para mim, parece claro que o sistema atual é muito melhor. Os adversários dos “pontos corridos” alegam sobretudo uma suposta “falta de emoção”, pela possível definição antecipada do campeão. A realidade tem mostrado que isso não acontece. Veja-se o atual campeonato, que tem tido uma disputa emocionante pelo título, pelas vagas para a Copa Libertadores e pela fuga do rebaixamento. As últimas rodadas têm tido jogos fantásticos, como o recente Cruzeiro e Fluminense, por exemplo.

Outra alegação dos defensores do sistema de finais eliminatórias é que ele aumenta a chance dos times menores. Bem, aí, “o buraco é mais embaixo”. Não consigo entender como os clubes, donos do espetáculo, aceitam as regras absurdas de divisão de verbas no campeonato. Claro que a TV tem interesse na maior audiência e, por isso, tende a pagar mais para os clubes que têm maior torcida. Entretanto, eles não jogam sozinhos... Os adversários também fazem o espetáculo e precisam receber uma justa divisão.

A TV alega que a audiência do futebol vem caindo. Acredito que isso se deva a dois fatores: o excesso de oferta - já que todos os jogos são transmitidos atualmente em pay-per-view, TV fechada ou TV aberta - e a má escolha dos jogos a serem transmitidos pela TV aberta - embora, quanto a este ponto, eu não tenha dados concretos, apenas uma intuição. Um exemplo: no dia em que houve um eletrizante São Paulo x Internacional, jogo de times que lutavam pelo título, a TV resolveu transmitir Vitória x Corinthians, jogo de times que nada mais tinham a esperar do campeonato. Será que a torcida corintiana é assim tão grande que atrai mais audiência do que todos os interessados em futebol? Não sei...

Sunday, November 01, 2009

Jornal cada vez mais velho

Não estou entre aqueles que acreditam no fim do impresso. Nenhum veículo novo acabou com seus antecessores, sempre houve uma adaptação. Os jornais impressos diários terão que encontrar o caminho para sobreviverem, e encontrarão. Precisam adaptar-se, porque vêm perdendo terreno para os veículos eletrônicos. Um sintoma é a sensação cada vez maior de que o jornal já nasce velho.

Na tarde de ontem, sábado, a Gazeta do Povo de domingo estava à venda nas ruas. Sempre que um jornaleiro me oferece numa esquina o jornal do dia seguinte, tenho vontade de perguntar se a edição já tem o resultado do jogo do Atlético (ontem, o jogo seria às 18h30min, e o jornal estava nas ruas bem antes). Claro que não faço isso, porque o pobre do jornaleiro não tem nada a ver com o problema do jornal.

Bem, hoje de manhã (domingo), peguei o jornal e, na página de esportes, fui conferir qual tinha sido o resultado do jogo do Paraná contra o ABC. A capa do caderno de esportes tinha uma chamada: “Na internet - Veja como foi ABC x Paraná, a partida em que Roberto Cavalo defendia sua invencibilidade como visitante”. O jornal pressupõe que o leitor seja internauta - então, por que ler o jornal?

Fico insatisfeito, mas compreendo. Noutros tempos, um jornalista ficava de plantão apenas para preencher o espaço previamente destinado ao relato do jogo noturno. Claro que isso atrasa a impressão, exigindo funcionários na gráfica até mais tarde, e provavelmente a equação financeira resulta na conveniência maior de não colocar a matéria. Antigamente, como o jornal impresso era a principal fonte de informação do leitor, valia a pena. Hoje, provavelmente não, e o jornal remete o leitor à versão eletrônica. Enfim, são as condições dos novos tempos...

Sunday, October 25, 2009

A “paradinha” na cobrança de pênaltis

O presidente da Fifa fala em proibir a “paradinha” na cobrança de pênaltis. Ideia ridícula e sem qualquer base lógica. Se o jogador não pode usar a “paradinha”, então, por que ao cobrar falta fora da área o time pode usar de artimanhas como as jogadas ensaiadas em que um jogador finge cobrar, salta a bola, e outro chuta? É exatamente a mesma situação: uma simulação com o objetivo de iludir o adversário. Que, afinal, foi quem fez a falta e recebeu a devida punição. Proibir a “paradinha” (ou, na mesma lógica, as simulações nas cobranças de falta) é beneficiar o infrator.

Na verdade, a “paradinha” acabará no dia em que os goleiros começarem a se portar adequadamente. Explico: do ponto de vista da Física, o pênalti é indefensável. Se forem considerados os fatores em jogo – tamanho do gol, envergadura do goleiro, velocidade e direção da bola no chute do cobrador –, basta que o cobrador chute corretamente que não há possibilidade física de o goleiro defender. O pênalti cobrado com perfeição é aquele em que a bola toca a parte lateral da rede, por dentro – quando a bola vai com rapidez e força, bem perto da trave. Não há possibilidade física de o goleiro, saindo do centro do gol, pegar a bola quando o pênalti é bem cobrado – e digo isso baseado em cálculos feitos por um professor de Física que certa vez publicou um artigo sobre o tema. É por isso que os goleiros não esperam pelo chute, mas se antecipam a ele, escolhendo um canto e pulando antes que a bola seja lançada para aumentarem a possibilidade de alcançá-la.

Aí é que está o grande erro dos goleiros. São raros os jogadores que cobram o pênalti com perfeição. A grande maioria chuta mais perto do centro do gol do que deveriam, e com menos força. Por isso, os goleiros teriam muito mais chance de defender se ficassem imóveis no centro do gol, olhando fixamente para a bola e saltando para pegá-la apenas depois do chute. Na adolescência, fui um ótimo goleiro e defendi muitos pênaltis, para espanto dos adversários, porque fazia exatamente isso. A possibilidade de um chute perfeito do cobrador é muito menor do que a possibilidade de o goleiro acertar na previsão do destino da bola.

No dia em que os goleiros começarem a fazer isso, as “paradinhas” acabarão. Lembro-me de um jogo do Atlético Paranaense em que o atacante Rafael Moura foi cobrar um pênalti, ameaçou chutar, esperando o pulo do goleiro, mas este não se moveu. Fez então uma segunda ameaça, o goleiro pulou, e ele rolou a bola vagarosamente em direção ao canto oposto. Foi a única cobrança de pênalti com duas “paradinhas” de que tive notícia. Se o goleiro tivesse se mantido firme na sua atitude de esperar o chute, a cobrança seria um fiasco.

Friday, October 23, 2009

Lembranças...

Esta foi para mim a semana da nostalgia, das lembranças profundas... Três fatos:

1) Passei algumas vezes pela rua onde fica o terreno da “minha Branca de Neve”. Virou um prosaico estacionamento. Sempre que vejo aquele espaço vazio, sinto uma tristezinha nostálgica, aquela sensação de saudade de um mundo que se foi, de coisas que não existem mais...

2) Uma velha e grande casa onde morei por alguns anos está sendo demolida – na Rua Padre Agostinho, 274. Estava para alugar e, de repente, começou a ser posta abaixo. Apesar de fazer parte de um passado que me traz sensações totalmente contraditórias, tive um choque quando a vi despedaçada. Senti como se um pedaço da minha história estivesse sendo apagado. Passo diariamente diante dela e nunca deixei, um dia sequer, de desviar o olhar em sua direção. Ela estava lá, sempre, permanentemente de pé, como eu, minha vida, minha história.
Vieram-me lembranças... Foi-se a cozinha onde fiz pela primeira vez a carne assada ao molho de cerveja recheada com bacon, que ainda hoje faz sucesso quando repito a façanha culinária. Não existe mais o quarto onde eu demorava a dormir, ouvindo “Porto solidão” enquanto sonhava com uma vida diferente, temendo antecipadamente pelas incógnitas que ela me traria. Desapareceu a sala de paredes vermelhas onde eu me aquecia em frente à lareira, em longas horas de conversas noturnas animadas por um Benédictine ou um Chartreux. Um tapume substitui o muro que eu pulava à noite para ir encontrar, escondido, minha namorada (hoje esposa). E na derrubada daquelas paredes que me traziam tantas recordações, parece que eu vou também enfraquecendo.
“E eu era feliz? Não sei;/Fui-o outrora agora” (Fernando Pessoa).

3) Ao final de uma aula, sem pensar nem procurar palavras, despedi-me de uma aluna com uma expressão típica de meu falecido pai. Assim, sem mais... Imediatamente, tomou-me um sentimento profundo, profundíssimo de saudade extrema, a ponte de ser-me preciso segurar as lágrimas. Calei-me por alguns instantes, porque a voz não sairia. Nesses segundos densamente eternos, vieram-me em turbilhão lembranças impregnadas de doída saudade das duas pessoas falecidas cuja falta mais sinto: meu pai e meu irmão. Senti a dor pesada do fato sem solução, da situação perpetuamente resolvida, sem volta. A perda daquilo que tive pouco e devia ter tido mais...

Enfim, lembranças... O que é o passado que já se foi? Que temos a ver com o passado? Anos atrás, pensando nisso, fiz o poema que segue – e conclui esta mensagem.

SOMAMOS
Não somos mais
o que fomos,
mas somos só
o que fomos
(passado – matéria-prima indelével –
não desgruda de nós).
Somos mais:
somamos.

Thursday, October 22, 2009

Homenagem a Renato Bzuneck Jardim

Em 2004, eu era professor de Editoração no curso de Jornalismo da Universidade Positivo quando recebemos o aluno Renato Bzuneck Jardim. Renato era deficiente visual – creio que tinha no máximo 10% da capacidade visual normal. Editoração é uma disciplina eminentemente prática e... visual, cujas aulas são ministradas no laboratório de informática do curso. Os alunos aprendem noções de planejamento gráfico e diagramação de veículos jornalísticos impressos. Nas aulas práticas, aprendem a utilizar programas de editoração eletrônica.

O sistema de avaliação adotado naquele ano contemplava testes teóricos e práticos. No primeiro bimestre, a avaliação era divida em 80% teórica e 20% prática, enquanto nos três outros bimestres a divisão era de 50% para cada tipo de prova. No início das aulas, expliquei ao Renato que ele teria todo apoio, mas nenhum privilégio. Disse-lhe que deveria compensar a impossibilidade de fazer os exercícios práticos com boas notas na parte teórica, explicando-lhe que, se tivesse sucesso, iria para a prova final e poderia ser aprovado mesmo que tivesse nota zero nos exercícios práticos (no exame final, também havia avaliação prática, valendo metade da nota).

O fato é que Renato conseguiu nota suficiente para ir a exame final sem nunca ter feito os exercícios práticos (nos quais recebia sempre nota zero). No exame final, também garantiu aprovação apenas com a parte teórica. Sempre apliquei, obviamente, as mesmas provas da turma, mas em consulta oral: eu lia as perguntas, e ele ditava as respostas.

Em algumas provas das quais constavam perguntas teóricas baseadas em figuras, reproduzi as figuras em tamanho bastante grande (para isso, o próprio Renato carregava sempre um “pincel atômico”), que ele conseguia ver aproximando o papel até quase encostá-lo no olho, num processo muito cansativo, mas a que ele se submetia sempre que necessário.

Renato evoluiu bastante ao longo do curso. Depois do primeiro ano, embora não lhe tenha dado mais aula, percebi que ele tornou-se bem mais “desembaraçado” e ativo. Ele sempre pareceu bastante integrado junto aos colegas. É de se ressaltar que ele jamais usou a deficiência visual como pretexto para pedir qualquer atitude condescendente do professor. Pelo contrário, sempre fez questão de afirmar-se como estudante capaz de fazer o necessário para aprender e ser aprovado, independentemente de sua deficiência, o que me parecia o lado mais admirável de sua atitude diante do mundo. Longe de usar a deficiência como “muleta”, ele superava todas as dificuldades com esforço e dedicação, além de contar com sua boa capacidade intelectual.

Uma das melhores recompensas de ser professor é aprender continuamente, já que temos dezenas de alunos que são também nossos “professores”, sempre com coisas novas para nos ensinar. Para mim, ser professor do Renato acrescentou muito. Foi uma oportunidade de aprender sobre temas como a infinita capacidade humana, o respeito às diferenças, a riqueza do ser humano. Renato deu-me muito mais do que de mim recebeu.

Soube com muita tristeza do falecimento recente do já então colega Renato. Apesar de sua passagem curta entre nós, estou certo de que, se as pessoas têm uma missão a cumprir na Terra (este “vale de lágrimas”, diz a oração católica), Renato deve ter cumprido a sua, e muito bem cumprida.

Wednesday, October 21, 2009

Títulos curiosos

Diversão garantida na leitura de jornal. Vejam só que títulos curiosos. Quem quiser decifrá-los clique sobre eles.

Suínos boicotam feira para não pegar gripe
Coitados, acho que eles têm razão. Nestes temos de gripe mortal, eles precisam se prevenir.

Brasil estuda financiar exportações de vizinhos
Oba! Achou que vou procurar esse financiamento. Tenho alguns vizinhos que gostaria muito de exportar para bem longe!

Maranhão assume a Paraíba
Que bom, nesta época de separatismos, ver dois estados irmãos unindo-se, mesmo não tendo fronteiras comuns. Mas será que o povo paraibano foi consultado?

Tuesday, October 20, 2009

Títulos inadequados

Os manuais de redação e a prática jornalística indicam que um título de matéria factual deve ser uma frase com sujeito, verbo (no presente, sempre que possível) e complemento que indique o assunto principal do texto. Portanto, deve ser não apenas facilmente inteligível, mas revelar do que a matéria trata, para que o leitor possa decidir-se a lê-la ou não. Pressupõe-se que, em geral, o leitor não leia o jornal “de cabo a rabo”, mas selecione – principalmente pelo título – quais os textos de seu interesse. Por isso, o título é uma espécie de “propaganda” da matéria. Títulos ininteligíveis tendem a fazer com que o leitor não se interesse pelo texto. Entretanto, eles são frequentadores habituais das páginas dos jornais. Seguem dois exemplos...

IPOS atraem US$ 17 bilhões
Provavelmente, o jornalista pensa que o público habitual do caderno de Economia seja capaz de decifrar o título. Mas... quem é o público habitual do caderno? Eu leio as matérias de Economia e gostaria de entendê-las – afinal, faço parte do público leitor do jornal. Li a nota para tentar decifrar o título, mas não há nada no texto que indique o que significa a sigla IPOs.

Maior VBP do estado em destaque na Expotoledo
VBP? O que será que é isso? Quem consegue dizer sem ler a matéria?

Monday, October 19, 2009

As diferenças que as vírgulas fazem

Todo mundo sabe que colocar vírgulas erradamente pode mudar o sentido da frase. Portanto, os jornalistas devem tomar muito cuidado com elas. Matéria da Gazeta do Povo sobre o Vale-Cultura traz duas frases com vírgulas colocadas indevidamente. Vejamos:

“A meta do MinC, com a implementação do Vale Cultura, é que os brasileiros, de baixa renda, passem a consumir cultura.”

Com certeza, o autor queria dizer: “... que os brasileiros de baixa renda passem a consumir ...”

Do modo como está, a frase afirma que todos os brasileiros são de baixa renda – e, portanto, o MinC quer, com o vale, que os brasileiros passem a consumir cultura (visto que todos os brasileiros têm baixa renda).

Sem as vírgulas, a frase indicaria que, dentre os brasileiros, há alguns de baixa renda, que o MinC deseja que consumam cultura.

A outra:

“O trabalhador, que ganha até cinco salários mínimos, pode optar por não ser beneficiado pelo Vale Cultura” [...].

De novo: com certeza, o jornalista queria dizer que “o trabalhador que ganha até cinco salários mínimos pode optar ...”.

As orações analisadas podem ser explicativas (caso das que estão entre vírgulas nos exemplos) ou restritivas (sem as vírgulas). Para determinar, portanto, uma categoria específica (restrita) de brasileiros (os de baixa renda) ou de trabalhadores (os que ganham até cinco salários mínimos), o texto deveria usar a oração restritiva, sem vírgulas.

Sunday, October 18, 2009

Título versus texto e muro "tucanado"

Uma curiosa matéria da Gazeta do Povo traz duas “pérolas” de naturezas diferentes.

Primeiro, um título que diz o contrário do texto. Depois, as incríveis definições ministeriais sobre o que seja um muro.

O título: “Ministro da Justiça critica muro em favela carioca”.

Na verdade, o ministro da Justiça, Tarso Genro, estava defendendo a construção do muro que separa o morro Dona Marta, no Rio de Janeiro, da mata vizinha, para evitar que os barracos a invadam.

Além do título que contradiz o texto, o mais engraçado é o discurso de Genro, em sua tentativa de defender a obra alegando que o muro não é um muro. José Simão diria que o ministro “tucanou” o muro.

As palavras do ministro: “Pelo que estou informado, não são mais muros, né? São divisões que vão ter espaço delimitador. Mas não se adotou aquela tese de fazer um muro de separação física, alto, que separa a comunidade do outro espaço.”

Então , quando “não se adota aquela tese”, o muro deixa de ser muro... Isso é que é “teoricismo” acadêmico!

Monday, September 28, 2009

Livros

De passagem por aqui, quero recomendar os cinco melhores livros dentre os que li neste ano (cerca de 25). Estão na ordem em que os li e não em ordem de preferência. Lá vai:

1) “O filho eterno”, de Cristóvão Tezza. Muito bom mesmo, merecedor de todos os inúmeros prêmios que ganhou. Tezza está hoje entre os principais escritores brasileiros. Seu texto é absolutamente impecável - e saboroso. E neste livro conta a melhor de suas histórias.

2) “Olhe nos meus olhos”, de John Elder Robison. História de um portador da Síndrome de Asperger (espécie de autismo leve), contada pelo próprio. Obra sem pretensões literárias, mas muito interessante e até divertida. Ajuda o leitor a colocar-se no lugar do “outro”, refletir sobre as diferenças e entendê-las.

3) “A viagem do elefante”, de José Saramago. Tem a maestria do Saramago, sempre bom de ler.

4) “A distância entre nós”, de Thrity Umrigar. A escritora de origem indiana (participante da Bienal do Livro do Rio deste ano) tem um texto atraente. Nesta obra, conta a história da relação entre uma empregada e sua patroa na sociedade indiana. Leitura ainda mais interessante para quem acompanhou “Caminho das Índias”.

5) “A menina que roubava livros”, de Marcus Zusak. Excelente tradução de um texto de qualidade maravilhosa para uma história comovente.

Sunday, September 20, 2009

Foto "sem-vergonha"

A foto de um evento esportivo pode assumir ares de jornalismo sensacionalista. Uma foto de Michael Fiala (Agência Reuters) retratando duas tenistas que se cumprimentam após uma partida tem esse ar: a foto foi tirada de modo tal que insinua mais do que diz. Veja a foto inteira clicando aqui.


Quero deixar claro que não teria nada contra o fato de as tenistas serem lésbicas e estarem ensaiando um beijo. Nem me escandalizaria com tal foto. Mas é que não é este o caso aqui: a foto quer insinuar algo que não é a realidade, daí o sensacionalismo.

Tuesday, August 11, 2009

Homossexualidade e união civil

Na discussão sobre o reconhecimento da união civil entre pessoas do mesmo sexo do ponto de vista constitucional, há juristas de peso em ambos os lados. A Gazeta do Povo, principal diário de Curitiba-PR, publicou em 11/08 artigo do professor Ives Gandra Martins no qual ele defende que, por força constitucional, só pode ser considerada família “aquela decorrente ou do casamento ou da união estável entre um homem e uma mulher”. Sob o enfoque jurídico, sua posição é bem fundamentada, mas pode ser contestada, e efetivamente tem sido, pois se trata de uma discussão bastante complexa.

Entretanto, há no artigo do ilustre jurista afirmações descabidas quando ele foge da discussão estritamente jurídica. Afirma ele que “a criança deve ser educada segundo a ‘opção natural’, de atração entre pessoas de sexo diferente, uma vez que a denominada ‘opção sexual’ dos homossexuais só ocorre na adolescência ou quando adultos”. Tal ideia é hoje completamente descartada pelos especialistas que estudam a homossexualidade. Em primeiro lugar, porque não existe uma “opção”. Ninguém é homossexual porque escolhe ser. Para que isso fique claro, basta que um heterossexual se pergunte quando fez a “opção” por ser heterossexual – obviamente, essa opção nunca foi feita, pois não se trata de uma questão de escolha.

Estatisticamente falando, cerca de 10% das pessoas são homossexuais: trata-se de uma constatação prática, para além de ideologias e preconceitos. As “opções” do homossexual são aceitar ou não sua sexualidade (muitos não a aceitam por causa do preconceito social) e assumi-la ou não perante a sociedade (como se costuma dizer popularmente: “sair do armário” ou não). Essas sim, opções exercidas na adolescência ou na idade adulta.

Portanto, também não se pode dizer que a heterossexualidade seja “natural” e a homossexualidade, “antinatural”: a homossexualidade está presente na natureza – e, entre os seres humanos, atinge aproximadamente 10% das pessoas.

Espanta encontrar na argumentação de Ives Gandra Martins a alegação de que a adoção de crianças por homossexuais “levaria a ser imposto à criança um tipo de comportamento que a tiraria do caminho seguido pela esmagadora maioria das pessoas, de atração pelo sexo oposto”. Também esse argumento está fundado numa ideia completamente equivocada sobre supostas origens da homossexualidade. Filhos de homossexuais não são necessariamente homossexuais, assim como muitíssimos homossexuais são filhos de casais heterossexuais. Ser educado por homossexuais ou por heterossexuais não é fator determinante da sexualidade do indivíduo – caso contrário, nunca se veria um homossexual filho de um casal heterossexual e por ele educado.

Ademais, o célebre jurista ignora o direito das minorias. Por que aqueles que não têm o comportamento “da esmagadora maioria” não podem ser sujeitos de direitos? E por que um cidadão não pode legitimamente ter um comportamento diferente daquele da maioria?

No âmbito jurídico, há muito que se discutir sobre o reconhecimento da união civil entre pessoas do mesmo sexo, o que provavelmente só será resolvido perfeitamente com uma mudança na legislação – seja por força de uma emenda constitucional ou de um pronunciamento jurisprudencial. Já no âmbito social, é fácil perceber que a discussão é eivada de equívocos e, quase sempre, de preconceitos.

Tuesday, August 04, 2009

“Jornalismo” (?) esportivo

Tenho uma opinião particular sobre o jornalismo esportivo feito hoje no Brasil: é muito pouco de jornalismo e quase tudo de entretenimento. Jornalismo é novidade – máxima que parece não valer no “jornalismo” esportivo.

Em Curitiba, o programa esportivo de maior audiência no rádio apresenta-se como jornalístico, mas é muito mais um humorístico. No time que faz o programa já apareceu de tudo: um office-boy, um mendigo, um ET, um mosquito e até o fantasma do Michael Jackson. As transmissões de jogos na emissora são divertidas, tão divertidas que às vezes o narrador e seu séquito de personagens se esquecem do jogo...

Outra rádio de grande audiência, com aparência muito mais séria, tem dois horários dedicados a programas esportivos locais. Que quase nunca apresentam nada, mas nada mesmo de novo. Só aquele blá-blá-blá de opiniões sobre o jogo que passou ou sobre aquele que virá. Um jornalista informa, relata fatos. Já nesses programas, os radialistas (não vou chamá-los de jornalistas, porque não o são) usam muito o “eu acho”, “me parece que”... e muito frequentemente não sabem passar informações básicas para o ouvinte.

Nessa pobreza informativa, um repórter (ex-jogador que virou profissional do rádio) chegou a anunciar como notícia de “primeiríssima mão” a informação de que o Atlético Paranaense contrataria o auxiliar técnico Leandro Niehues (que estava no Corinthians-PR). Uma rádio concorrente já tinha dado a notícia na véspera... O mesmo repórter, falando ao vivo, inventou dois novos participantes do Campeonato Brasileiro: anunciou que o Coritiba jogaria “contra o Cascavel” (o jogo, na verdade, seria contra o Santos, na cidade de Cascavel, pois o Coritiba perdera o mando do jogo) e trocou o Paraná Clube pelo Paranavaí.

Fazer jornalismo é difícil. Fazer bom jornalismo, mais ainda. Fazer bom jornalismo ao vivo, então, é tarefa árdua, que deveria ser deixada para jornalistas de verdade. Talvez (eu disse “talvez”) a pobreza do jornalismo esportivo se deva a ele não ser feito majoritariamente por jornalistas, mas por “radialistas”. Não quero insinuar com isso que não haja ótimos radialistas, longe disso. Há, inclusive no jornalismo esportivo, mas são exceção.

Adiamento das aulas é “disparate”

Na linha do que comentei aqui e defendi em artigo publicado na Gazeta do Povo, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, classificou o adiamento do reinício das aulas de “disparate”. Veja trecho da notícia publicada na Folha Online:

O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, disse ontem (3) considerar um “disparate” alunos sadios terem o início das aulas adiado por conta da gripe suína. Segundo ele, a recomendação do ministério é que devem ficar em casa apenas as crianças e funcionários com sintomas como febre e tosse. “Quem não tem sintoma não tem que ficar em casa. Seria um disparate total”, disse ontem em evento no Rio. Os governos de São Paulo, Rio, Rio Grande do Sul, Paraná e Minas prorrogaram as férias escolares.

Tuesday, July 28, 2009

O caos da gripe

Durante a epidemia de influenza que grassou no país em 1918, as autoridades municipais de Curitiba determinaram o fechamento de todas as casas de espetáculos e proibiram aglomerações, inclusive o acompanhamento dos enterros.

Agora, no século 21, nossas “autoridades” estão permitindo a desinformação e o caos. Enquanto diversas escolas particulares adiaram o início das aulas do segundo semestre, e a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo determinou a volta às aulas apenas no dia 17 de agosto, o secretário de Saúde do Paraná criticou as instituições curitibanas pela atitude “precipitada”, e várias vozes classificaram o adiamento de inútil e inócuo. Ora, se nem as autoridades da saúde se entendem, como o cidadão pode ter uma orientação segura?

Em Curitiba, foram confirmadas, até hoje, três mortes causadas pela gripe A, todas de homens adultos. Apesar disso, enquanto escolas de ensino fundamental e médio suspenderam a volta às aulas, as faculdades estão funcionando normalmente. E os cinemas estão superlotados com crianças aproveitando as “férias prolongadas”! Uma total incoerência!

Os órgãos públicos continuam funcionando, inclusive com enormes aglomerações de pessoas que ficam horas aguardando atendimento em ambientes fechados - por exemplo, cerca de uma centena de pessoas que se reunem diariamente nos Juizados Especiais de Curitiba, num saguão sem janelas!

É incrível e inaceitável a passividade e a falta de unidade que atinge as autoridades de saúde no país. Sempre acreditei que o fim da humanidade será o extermínio por uma epidemia, e a atual é uma boa amostra. Basta imaginar um vírus de alta letalidade espalhando-se com a facilidade dessa gripe...

Friday, July 24, 2009

Mídia divertida

“Descendência” japonesa...

Dias atrás, vi no jornal notícia sobre uma jornalista americana de origem iraniana chamada Roxana Saberi. A matéria dizia que a jornalista tinha “descendência japonesa”. Por que será que tantas pessoas fazem essa confusão com um termo tão simples?

Eu posso dizer que tenho descendência italiana, pois meu filho, assim como eu, tem dupla nacionalidade (brasileira e italiana). E tenho também ASCENDÊNCIA italiana, já que, assim como meu descendente (meu filho), meus ascendentes também são italianos, afinal, meu bisavô Pascoal Papa nasceu na Itália, de pais italianos.

Quando algum aluno me diz que tem “descendência” de tal nacionalidade, respondo brincando, fingindo espanto: “Nossa! Tão novinho e já tem filho! Você é casado?” Invariavelmente, a pessoa, é claro, não entende...

“Volta com tudo”

A Gazeta do Povo pubica hoje matéria sobre o clima com o título: “Frio volta com tudo no final de semana”. Curioso. Primeiro: “volta com tudo” parece coloquial demais para a linha editorial do jornal. Segundo: considerando que nos últimos dias tem feito um frio terrível, ainda mais com chuva (a máxima hoje não deverá passar dos 15º C), esperava que a matéria noticiasse que o frio iria voltar para o seu lugar de origem, bem longe de Curitiba, talvez na Argentina... Mas na realidade a notícia era que a temperatura diminuiria ainda mais no final de semana. Parece “a volta dos que não foram”...

Wednesday, July 15, 2009

McNamara e a “arte” da guerra

O ex-secretário de Defesa dos EUA Robert Macnamara, responsável pela ação estadunidense na Guerra do Vietnã, morreu na semana passada. Em diversas manifestações públicas, havia se declarado arrependido em relação à participação dos EUA na guerra. De tudo que disse, há algo que impressiona bastante. Ele afirmou que, no final da guerra, tinha duvidava da eficácia do bombardeio ao Vietnã do Norte. Mesmo assim, ordenou o bombardeio que fez milhares de vítimas. Sua justificativa para ter prosseguido com a ideia do bombardeio, mesmo não acreditando na sua utilidade para a vitória estadunindense: "Tínhamos que provar que não daria certo [...] porque outras pessoas pensavam que poderia funcionar". Então, para provar que não daria certo, mandou fazer. Mandou matar milhares de pessoas para mostrar a inutilidade do bombardeio. Assim é a “arte” da guerra...

Tuesday, July 14, 2009

Afinal, diploma para quê?

O convívio social num país democrático é regulado pelo arcabouço jurídico desse país. E ele precisa ser coerente. No caso do exercício profissional, a legislação construída ao longo do tempo no Brasil impõe regras para que as pessoas possam exercer certas profissões. Isso é, obviamente, uma restrição de liberdade. Como, aliás, toda lei é. Alguém poderia desejar correr a qualquer velocidade no seu carro, passar qualquer cruzamento como bem entendesse. Mas há leis que restringem essa liberdade em benefício da sociedade. Viver em sociedade (contingência humana) implica renúncia a parcelas de liberdade.

Imaginemos um panorama de total liberdade profissional, com qualquer pessoa podendo exercer o ofício que desejasse. Suponhamos que alguém colocasse na sua porta uma placa: “Advogado”. E começasse a atender clientes. Poderia sair-se muito bem e seria recomendado a outras pessoas por seus clientes. Ou poderia acontecer o contrário. Isso seria a regulação pelo mercado. Quem fosse prejudicado pelos maus serviços de um profissional poderia acionar a Justiça para ser indenizado. Mas se o cidadão hipotético resolvesse exercer a Medicina e matasse alguém, o prejuízo não poderia ser indenizado...

Como criar um sistema de proteção social que ateste a capacidade de determinada pessoa para exercer certa atividade profissional? Na Idade Média, isso era feito pelas corporações de ofício. Por exemplo: um sapateiro de qualidade reconhecida poderia receber aprendizes, aos quais ele ensinaria seu trabalho, e, conforme o progresso do aprendiz, este poderia ir assumindo algumas tarefas e receberia “títulos” para atestar seu nível profissional: meio-oficial, oficial e, por fim, mestre (sistema que persiste, por exemplo, na construção civil brasileira nas funções de base).

Com o surgimento das universidades e, depois, dos estados democráticos, a certificação passou a ser feita pelas instituições de ensino – como acontece no Brasil. Em princípio, é um sistema bem ponderado: as instituições de ensino precisam de autorização e reconhecimento do Poder Público, que as fiscaliza. Assim, teoricamente, há segurança para a sociedade: quem cumpre de modo adequado suas funções de aprendiz recebe um certificado (diploma) atestando que está apto a exercer determinada profissão, e esse certificado só pode ser emitido por instituição credenciada e fiscalizada pelo Poder Público. Tudo muito bem pensado (ao menos na teoria) e feito de modo a garantir segurança ao cidadão, que certamente se sente mais tranquilo ao ser atendido, por exemplo, por um médico que tenha um diploma reconhecido “oficialmente”.

Por que, então, para o exercício de determinadas profissões é exigido o diploma superior e para outras não? Trata-se de uma questão de legislação construída pela força maior ou menor de determinados grupos profissionais, pela tradição maior ou menor de determinadas carreiras. Ninguém pode ser corretor de imóveis ou massoterapeuta sem o devido registro profissional (nesses casos, conseguido após a obtenção de certificados em cursos técnicos). Isso se deve, basicamente, à capacidade de articulação dos envolvidos nesses ofícios, que conseguiram criar democraticamente legislação específica para os seus casos. Corretores de imóveis e administradores têm Conselhos Federais que regulam e fiscalizam o exercício profissional. Músicos e advogados têm suas Ordens profissionais para os mesmos efeitos.

A existência ou não de Conselho ou Ordem de determinada profissão, assim como a exigência ou não de diploma de nível superior para exercício profissional, pouco tem a ver com a suposta importância social dessas profissões. Está relacionada, muito mais, ao poder de articulação e à representatividade de cada categoria.

Nesse sentido, o fim da exigência do diploma de jornalista para o exercício da profissão quase nada tem a ver com a possível importância social da profissão, ou com a liberdade de expressão do pensamento, ou com a determinação constitucional de que o exercício profissional é livre para todo cidadão. Também não está relacionada ao avanço das tecnologias da comunicação, à proliferação dos blogs ou qualquer coisa do gênero.

Lutar pela exigência do diploma é uma atitude legítima da classe dos jornalistas, dentro das regras da democracia e do arcabouço jurídico-legislativo brasileiro. Não tem nada de obscurantista ou policialesco. E há muitas pessoas, muitas mesmo (e entre elas me incluo) que acreditam que, dadas as atuais regras legais, a obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo é adequada, útil e proveitosa não só para os jornalistas, mas para toda a sociedade.

Pensar utopicamente num mundo de maior liberdade para todas as profissões também é aspiração legítima. Que seria do mundo sem os utópicos? Nesse panorama utópico, seria muito bom que não se exigisse diploma superior para qualquer exercício profissional, do médico ao sapateiro. Mas, para isso, e tendo em vista os interesses da sociedade, deveria haver algum sistema que atestasse a capacidade profissional – em alguns casos (como o do sapateiro), o mercado mesmo, em outros, um sistema ainda a ser pensado, talvez um exame aprofundado feito por instituições credenciadas pelo Poder Público. No entanto, eliminar a exigência apenas para os jornalistas é ilógico dentro do nosso arcabouço jurídico.

Por fim – e independentemente de qualquer exigência deste ou daquele diploma para o exercício desta ou daquela profissão –, lutar por uma melhor qualidade do ensino em todos os níveis, e não só no universitário, deveria ser dever de todos. Quando um determinado candidato às últimas eleições presidenciais dizia que a solução para o país só podia estar baseada no tripé: “Educação – Educação – Educação”, muitos o ridicularizaram, vários chamavam seu discurso de “samba de uma nota só”. Pois eu acredito nesse samba.

[Publicado no Observatório da Imprensa em 14/07/2009]

Wednesday, June 24, 2009

Assim é o capitalismo...

Triste, muito triste a constatação do óbvio a partir de uma matéria publicada hoje na internet: “Socorro a bancos em 1 ano supera ajuda a países pobres em 50, diz ONU”. Assim é o capitalismo. O capitalismo precisa da miséria. Uma vez que a riqueza do planeta é limitada, para que uns tenham muito, é preciso que outros tenham nada. Tinha razão, nesse aspecto, o velho Marx: a riqueza de uns é necessariamente a miséria de outros. Já ouvi várias vezes, inclusive em palestras de especialistas, que seriam necessários quatro planetas Terra para atender as necessidades da população mundial se todos tivessem o padrão de consumo de um estadunidense médio. Portanto, aqueles que têm poder e dinheiro precisam manter a miséria para que lhes caiba cada vez mais dinheiro e poder.

“Equilíbrio” no avião

Vi hoje uma matéria curiosa na internet: “Passageiros abandonam avião após piloto pedir que servissem de contrapeso ”. Já passei por isso! Numa conexão em Porto Rico, embarquei num pequeno avião turbo-hélice. Como havia poucos passageiros (uns 15, mais ou menos), a comissária pediu que equilibrássemos o avião nos dividindo entre os bancos da esquerda e da direita do corredor. Depois do estranhamento inicial, percebi que era um procedimento normal, corriqueiro e, afinal de contas, óbvio! Logo nos distribuímos equilibradamente nos assentos e o voo seguiu sem problemas.

Monday, June 22, 2009

“Pérolas”

Todos sabem que a qualidade de ensino no Brasil deixa a desejar... Com o “fim”, na prática, do vestibular, já que na grande maioria dos cursos há mais oferta de vagas do que demanda, não há mais seleção para a entrada no ensino superior. Com isso, a qualidade média dos alunos diminuiu, deixando evidentes suas deficiências.

Convém deixar claro que acho ótimo o fim do vestibular. O acesso ao ensino superior deveria ser direito garantido a todos os cidadãos que concluíssem o Ensino Médio e desejassem prosseguir os estudos no nível superior. Mas que a qualidade do ensino precisa melhorar, em todos os níveis, também não há dúvida.

Deploro ainda, por outro lado, a atitude de muitos professores que sempre colocam a “culpa” das deficiências do ensino no nível anterior àquele no qual lecionam. O professor universitário diz que os alunos são ruins porque o Ensino Médio é deficiente. Os professores do Ensino Médio colocam a culpa no Ensino Fundamental, e assim por diante (até chegar ao ventre materno...) – como se não fosse responsabilidade de cada um ensinar o que deve ser ensinado no seu respectivo nível.

Se um aluno chega com deficiências na universidade, não adianta ficar se lamentando – é preciso suprir essas deficiências ensinando. Se forem deficiências insuperáveis para uma determinada carreira, o estudante deve ser orientado para procurar aquela que lhe for mais conveniente.

Enfim, postas essas considerações iniciais, que têm o intuito de evitar a impressão de que estou “tripudiando” sobre “maus alunos”, coloco a seguir algumas das chamadas “pérolas” que colhi em provas e exercícios de redação jornalística. Estas que apresento aqui são antigas, mas engraçadas. Quem lê pode rir e achar divertido. Ao professor, cabe, depois do impulso incial de rir, buscar soluções e trabalhar com os alunos para que melhorem. É a nossa dura missão, cuja realização tem como maior recompensa constatar que muitos alunos conseguem efetivamente melhorar.

“PÉROLAS”

De textos sobre a guerra no Iraque:
• ... os Estados Unidos estão destruindo vidas ingênuas e futuras que foram construídas durante anos, por um único objetivo: o ego.
Acredito que a guerra no Iraque é o fim da paz mundial. Pois os países envolvidos lutam pela paz. Logo não haverá paz onde há guerra com o sangue derramado.
Se a guerra continuar resultará na destruturalização da sociedade mundial.
Os veículos americanos que mostram a notícia sob aspecto geral são punidos por Bush.
•... o que importa para o governo americano é o petróleo dos iraquianos passando por cima de tudo e de todos.

Sobre a objetividade da notícia (a partir da leitura do livro de Luiz Amaral)
•... por mais que ambas tentam ser neutras, não conseguem. Ambas são neutras.
Pelo título de realista a objetividade e a subjetividade caminham juntas.
A reflexão sobre esses dois polêmicos temas e porque as matérias internacionais vem de forma curta, muito objetiva e sem maiores detalhes e a subjetividade entra nesse assunto com o interesse político e comercial do pais que vêm.
Foram criadas as agências que, infelizmente, torna à informação em “um produto a venda”.
A objetividade faz a notícia submissa, e não se dá a informação correta.
•... manipulação feita pelos países europeus, principalmente EUA, ...
As indústrias colaborou para um aumento de tiragens, informações pouco aprofundadas, novas tecnologias e recrutamento de matérial humano adequado.

Sobre artigo e crônica:
Artigo precisa ter começo, meio e fim.
Artigo é um texto de caráter levemente tendencioso.
Característica [da crônica] é o contexto rico de informações subjulgadas em um fato.

Outros:
• sático (satírico); tive-se (tivesse); sensasionalismo; inergúmenes (energúmenos); opnião; nescessidades; aterrozirar (aterrorizar); desnescessária; inoscentes; dia dia (dia-a-dia); em quanto (enquanto); Eu tenho gênero [gênio] forte.

Thursday, June 18, 2009

O fim da exigência de diploma para o exercício do jornalismo

O destino de dezenas de milhares de brasileiros portadores de diploma superior de Jornalismo foi afetado ontem (17/06) por um julgamento levado a cabo por ministros que pareciam não saber o que estavam julgando.

Julgava-se a obrigatoriedade ou não do diploma de Jornalismo para o exercício da profissão. Mas muitas falas dos ministros indicavam que eles estavam analisando outro tema. Eles falavam do direito à livre expressão do pensamento, o que é outra coisa, completamente diferente.

Será que os ministros do STF acreditam mesmo que os proprietários de veículos de comunicação que defendiam o fim do diploma estavam interessados em defender a liberdade de expressão, como raposas que defendem a abertura das portas do galinheiro para o bem da liberdade das galinhas?

A exigência de diploma para o exercício da profissão de jornalista tem tanto a ver com o direito à livre expressão do pensamento quanto a exigência de Carteira Nacional de habilitação com o direito constitucional de ir e vir.

Pela lógica dos ministros do Supremo, qualquer cidadão poderia dirigir – caso contrário, estaria tolhido na sua liberdade de ir e vir. Pela mesma lógica, os cidadãos poderão prescindir do trabalho dos advogados, em qualquer circunstância, em nome do direito constitucional à ampla defesa.

Como se vê, parecem absurdos – assim como é absurdo relacionar a exigência do diploma com a limitação à livre expressão do pensamento.

Os distintos ministros do STF parecem ter uma ideia completamente romântica e ultrapassada do jornalismo, como se estivessem parados no século 19 ou no início do século 20. Demonstram acreditar que ser jornalista e trabalhar num veículo de comunicação significa expressar livremente o pensamento. Ou seja, eles não têm noção clara do que é o trabalho do jornalista. Parecem achar que o jornalista tem como função manifestar seu pensamento – o que todos nós, profissionais da notícia, sabemos que não pode ser feito pelo jornalista, a não ser em casos excepcionais ou muito específicos, como na redação de artigos e crônicas, gêneros, aliás, abertos a qualquer pessoa, com ou sem diploma.

O fim do diploma tem vários subsignificados muito tristes. Como a demonstração do possível despreparo do Judiciário para julgar uma matéria que exige um conhecimento aprofundado do tema tratado. Outros significados são a incapacidade da classe dos jornalistas de se articular com força contra os empresários da mídia e a facilidade imensa que têm o poder do capital contra a fraqueza dos trabalhadores nas instâncias de poder.

Esperemos agora as possíveis consequências do fato. A desvalorização da profissão. O achatamento dos salários. A ideologização cada vez maior das redações. O povoamento das redações com estagiários de vários cursos e com apaniguados do dono do negócio. Funcionários cada vez mais submissos aos condicionamentos da empresa. Enfim, tudo com que sempre sonharam muitos dos donos da mídia.

Thursday, June 11, 2009

Morreu minha Branca-de-Neve...

Todos os dias, eu passava diante daquela casa. Era uma casinha de contos de fadas: parecia ter sido construída para anõezinhos. Não que fosse uma casa pequenina, mas tudo nela era menor do que o normal. Entretanto, não era isso o que mais me chamava a atenção. Ela era toda branca, muito branca – as paredes e os muros do terreno de esquina. Mas talvez a característica mais propensa a excitar uma imaginação infantil era a forma das paredes e dos muros, construídos de modo a imitar pedras arredondadas, pedras tão perfeitamente arredondadas como só se pode encontrar num conto de fadas.

A casinha estava no meu caminho diário de casa ao jornal onde eu trabalhava como repórter, depois editor e editorialista. Naquela esquina, eu diminuía o passo para admirar o que eu chamava de “a casa da Branca-de-Neve”. Vez ou outra, ela estava na varanda – aquela varandinha quadrada em miniatura. Sim, minha Branca-de-Neve estava lá, bem velhinha, sentada numa cadeira de balanço – ao menos, na minha memória sublimada, vejo hoje uma cadeira de balanço. Era daquelas velhinhas de contos de fadas, com muitas rugas não escondidas, afrontando a idolatria contemporânea aos corpos juvenis, apresentadas talvez como troféus de anos bem vividos.

Nunca falei com ela, embora não me faltasse vontade, mas sobrava timidez. Aliás, quase nunca: uma única vez, dirigi-lhe a palavra, passando em frente em passo lento: “Muito bonita sua casa”. Ela respondeu com um sorriso simpático e um “Obrigada!” Jamais vi qualquer outra pessoa naquela casinha de sonhos infantis.

Ontem, o sonho ruiu. Havia tempo que eu não passava naquela esquina das Mercês . A casa não existe mais. Foi demolida, o terreno aplainado, provavelmente para a construção de um edifício e o sepultamente de coisas que cada vez mais perdem lugar numa grande cidade contemporânea como Curitiba: uma casinha de contos de fadas.

Por enquanto, o muro ainda está de pé. O que terá acontecido com minha Branca-de-Neve? Terá morrido como os sonhos infantis sufocados pela metrópole?

Sunday, June 07, 2009

Atraso intelectual

O governo do Estado de Santa Catarina comprou 130 mil exemplares da obra "Aventuras provisórias", de Cristóvão Tezza, para adotá-la nas escolas de ensino médio. Entretanto, acabou recolhendo o livro porque alguns professores consideraram que ele tem conteúdo inadequado (cenas de sexo e uso de palavrões) para a faixa etária a que se destinava, de 15 a 18 anos.
Não vou dizer que tal fato é simplesmente inacreditável porque hoje é possível acreditar em qualquer coisa, até numa estupidez dessas. Privar os alunos de uma literatura de altíssima qualidade como é a de Tezza pelas razões alegadas é atitude medieval.
O problema é que, em pleno século 21, nossas escolas ainda são do século 19, como bem afirma Rubem Alves. Ou os professores catarinenses vivem em outro planeta, ou os adolescentes do estado vizinho são retardados, coitadinhos...

Wednesday, June 03, 2009

Duas do esporte

1) Na Gazeta do Povo, saiu este "primor" de título: "Vinícius ganha nova segunda chance". A matéria tratava da troca do goleiro Galatto pelo então reserva Vinícius, no Atlético Paranaense, após falhas grotescas de Galatto num jogo.

2) A Unisul (universidade catarinense) acabou com seu time de vôlei masculino, que disputava a Superliga. Entre as razões alegadas, o fato de a Rede Globo omitir sempre o nome do time, identificando-o apenas com o nome da cidade. Tal atitude já foi comentada aqui, no post "O patético cinismo da Globo". Segue trecho de matéria sobre o fato:

De acordo com a Universidade, o motivo de medida tão drástica é a falta ou a redução do apoio dos patrocinadores, insatisfeitos com o tratamento dado pela Rede Globo na transmissão dos jogos da equipe. A emissora omite, por decisão interna, o nome completo do time, falando apenas a cidade.
Desta forma, a Unisul/Tigre/Joinville tornou-se apenas "Joinville" na TV. "A Unisul faz um apelo à Confederação Nacional de Vôlei no sentido de repensar as estratégias de marketing da Superliga, visando a favorecer as equipes em seus esforços de buscar apoio imprescindível à sua sobrevivência", afirma a Universidade, em nota oficial."Uma das sugestões é condicionar à emissora que transmite com exclusividade os jogos, a exigência de mencionar os nomes verdadeiros das equipes, considerando que a televisão não pode se omitir no seu papel de ajudar a fortalecer uma modalidade do esporte que cresceu e se fortaleceu graças à abnegação e destemor de seus atletas e dirigentes", continua o documento.

Friday, May 22, 2009

Mais um... Esse ficou engraçado!

Matéria na Gazeta do Povo de 29/04/09 (Esportes, p. 10) intitulada “Atletas usam a rede para aparecer e lucrar” trata do uso da internet por atletas. A certa altura, lê-se esta frase (sic):

Ouro nos Jogos de Barcelona (1992), o ex-levantador da seleção de vôlei, Maurício Lima, é um dos poucos vetetranos que excedem à regra”.

A repórter usou equivocadamente o verbo exceder (“ir além”) como “ser exceção”. Ficou engraçado!

A reparar, também, o uso inadequado da vírgula, erro que infelizmente tem sido muito comum: o nome do ex-levantador não deveria estar entre vírgulas, a não ser que ele fosse o único ex-levantador da seleção, o que, obviamente, não é. O nome poderia estar entre vírgulas em outra construção da frase: “O ex-levantador da seleção de vôlei que ganhou o ouro nos Jogos de Barcelona (1992), Maurício Lima,...” -- caso em que o texto se referiria então ao levantador daquela seleção específica que levou o ouro em Barcelona.

Thursday, May 21, 2009

De novo...

Hum... Já está ficando chato, não? De novo, vou apontar erro de redação na Gazeta do Povo. É claro que a permanente “urgência” do trabalho jornalístico cria um ritmo de produção naturalmente vulnerável a erros. Mas também é preciso reafirmar sempre a necessidade de que os jornalistas mantenham-se constantemente atentos à qualidade da redação.

Vejamos o primeiro parágrafo da nota “Richa vai à CBF e revela otimismo” (20/05/09):

A convite de Ricardo Teixeira, presidente da CBF, o prefeito Beto Richa foi ontem ao Rio de Janeiro falar sobe a candidatura de Curitiba a uma das subsedes da Copa do Mundo de 2014 - o mesmo fez os prefeitos de Porto Alegre, Belo Horizonte.


Que tal o trecho destacado? Ui!

Wednesday, May 20, 2009

Ainda a "marcha da maconha"

Ainda sobre a "marcha da maconha": recomendo a leitura do editorial da Gazeta do Povo de 14/05: "O direito de discordar" (clique no título para ler o editorial). O superconservador diário paranaense, embora afirmando não concordar com a descriminalização do uso da maconha, defende o direito de livre manifestação do pensamento, bem na linha do que defendi aqui.

Wednesday, May 13, 2009

O poder da mídia!

É incrível o poder da mídia! No dia 7 de maio, a rádio BandNews FM, de Curitiba, entrevistou uma testemunha do acidente no qual o deputado Fernando Ribas Carli Filho, ao que tudo parece indicar, matou dois jovens inocentes. A testemunha era um jovem que estava num carro atrás do Honda Fit que foi trucidado pelo bólido voador do deputado. O rapaz descreveu o “acidente” em detalhes e afirmou que o carro do deputado estava em alta velocidade. A repórter perguntou então: “Mais ou menos a que velocidade?”. O entrevistado respondeu: “Pelo que vi nas entrevistas, uns 190 por hora”. A testemunha ocular, que presenciou tudo, baseou sua resposta na informação que recebeu da mídia!

Diplomas da Vizivale

Alunos que participaram do Programa Especial de Capacitação para Docentes, oferecido pela Faculdade Vizinhança Vale do Iguaçu (Vizivali), estão lutando pelo reconhecimento do diploma. No dia 06/05, os deputados estaduais aprovaram um projeto do deputado Péricles de Mello que garante a certificação aos alunos. Diversos professores estiveram na Assembléia Legislativa para pressionar pela aprovação do projeto.
No dia da votação, a rádio BandNews FM foi cobrir o evento e entrevistou uma das professoras presentes na manifestação a favor do reconhecimento do diploma. Foi impressionante a quantidade de erros crasos de português na fala da professorinha. Não aqueles “erros” comuns na linguagem falada coloquial, mas erros gritantes mesmo.
Independentemente de eles terem ou não direito ao reconhecimento do diploma, eu não gostaria que meu filho tivesse como professora a entrevistada da BandNews...

Friday, May 08, 2009

Hipocrisia e cinismo

Ridículo o MP querer impedir a tal “marcha da maconha” em Curitiba, como já foi feito em diversas capitais, aliás. Triste que ainda se veja gente (inclusive jornalistas!) defendendo a repressão à liberdade de expressão. É desanimador ouvir os “argumentos” do promotor que quer barrar a marcha, alegando que o tema pode ser discutido sim, mas “nos ambientes adequados”, como as universidades, com a presença de médicos que informem os malefícios da maconha (palavras do promotor). Rir ou chorar? Se os médicos desejarem, que façam a “marcha contra a maconha”. Mas não queiram voltar a tempos obscuros em que as pessoas não podiam defender suas ideias em praça pública. Mil vezes pior do que a maconha é a repressão à liberdade de expressão. Que cada um diga e defenda o que quiser. Defender a liberação do uso da maconha não é apologia ao crime, é livre manifestação do pensamento. O poder público quer “proteger” os “pobres coitados” da população que não têm condições de avaliar o que é bom ou ruim e por isso precisam da tutela estatal para lhes dirigir as escolhas? Abaixo o cinismo e a hipocrisia!

Falando sobre o uso de drogas: vejo diariamente pessoas de todas as classes sociais usando drogas, nos mais variados ambientes: nos estádios de futebol, nos bares e restaurantes, nas praças, até nas reuniões de família. E há pilhas de propagandas fazendo apologia ao uso de drogas, inclusive na televisão, com a participação de atores, cantores e até esportistas (como o glorioso Ronaldo). Falo das drogas legalizadas, como o álcool e o tabaco, que matam e prejudicam muito, infinitamente muito mais gente do que a maconha. Cadê os protestos? Qual a diferença, senhores hipócritas? Só uma: o comércio legal de tabaco e álcool gera bilhões em impostos, verba certamente muito bem utilizada para financiar farras aéreas e pagar altos salários aos utilíssimos diretores do Senado e funcionários comissionados da Infraero, entre outras aplicações de alta relevância...

De novo: abaixo o cinismo e a hipocrisia!

Tuesday, April 28, 2009

Importante é o que sai na mídia...

O que sai na mídia é o que acontece de mais importante ou importante é o que sai na mídia? Este "dilema de Tostines" é de fácil solução. Antes, algumas considerações sobre o papel social do jornalismo.

Muito se discute – e há muitos textos sobre o tema – a respeito da influência do jornalismo na sociedade atual. O fato é que a visão de mundo do cidadão médio é construída preponderantemente pelas informações que lhe chegam pela mídia. Esse é um dos principais fatores de importância do jornalismo. Os meios de comunicação (e, portanto, os jornalistas) são, nesse sentido, verdadeiros educadores.

Há muitos outros fatores. Os meios de comunicação, por exemplo, cumprem hoje, muito mais do que a literatura, o papel de definidores e fixadores da linguagem. O português como é falado no Brasil toma como padrão a linguagem dos meios de comunicação, para o bem e para o mal. Neologismos lançados pela mídia e repetidos incessantemente pelos veículos informativos, por exemplo, são logo incorporados à língua.

Entre muitos outros fatores de importância do jornalismo, entretanto, há um que talvez seja o mais relevante: a realidade socialmente aceita é aquela apresentada pela mídia. Os meios de comunicação de massa criam aquilo que se pode conceituar como “a verdade social” – ou, para expressar melhor, a verdade socialmente aceita. O que é apresentado pela mídia como verdade é verdade socialmente aceita.

Isso significa que a realidade é construída pelos meios de comunicação de massa. Como disse Eliseo Veron, “os acontecimentos sociais não são objetos que se encontram prontos num lugar qualquer na realidade e cujas propriedades a mídia nos faz conhecer depois: eles não existem senão na medida em que a mídia os fabrica”.

Basta pensar na quantidade imensa de fatos que acontecem diariamente e que os jornalistas precisam selecionar para noticiar. O que estará no jornal do dia seguinte seria, teoricamente, o que de mais importante aconteceu na véspera. Na impossibilidade de noticiar tudo, os profissionais da notícia elegem quais são os fatos mais relevantes, que mereçam ser noticiados. Dentre eles, os principais estarão nas capas dos jornais. Ora, essa seleção é feita por alguém, que é responsável por dizer à sociedade (a partir do público do veículo) o que é realmente importante. Portanto, esse mosaico (forçosamente parcial) de notícias forma uma imagem da realidade construída pelo jornalismo.

Pensemos, por exemplo, no Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, transmitido em rede nacional e que é assistido por milhões de brasileiros – na verdade, a grossa maioria das pessoas que têm televisão e assistem a algum telejornal. A TV continua sendo o principal meio de informação do cidadão médio. O IBGE já constatou que, nas grandes cidades, o número de domicílios com aparelhos de televisão superou os de domicílios com rádio. Uma matéria bombástica que for ao ar no Jornal Nacional será tema obrigatório de conversa no dia seguinte (num efeito de agenda setting). Isso dá uma idéia da importância do editor-chefe do Jornal Nacional. No fundo, é ele quem decide o que é mais importante para o país!

Cientes de que é preciso ser mostrado pela mídia para parecer (e, portanto, ser!) importante, muitos movimentos planejam suas atividades em torno de ações que possam repercutir na mídia. Um bom exemplo aparece hoje no UOL, que publica a foto de uma manifestação em Manila, Filipinas, de uma entidade chamada Peta (aliás, objeto de um dos primeiros posts deste blog), que se dedica à defesa dos animais. A foto da manifestação, cujo crédito é de Dennis M. (Sabangan/EFE), mostra quatro belas moças de biquini. Sim, quatro, apenas quatro. Na própria foto, é possível identificar pelos menos três fotógrafos para cada manifestante.

A foto correu mundo, tanto que chegou até mim, aqui no Brasil. O enquadramento fechado não permite saber se há mais manifestantes, nem procurei pesquisar. A fotografia já é significativa. Quatro pessoas, uma ação inusitada, um bom press release enviado à mída e pronto: está feita uma manifestação de repercussão mundial...

Monday, April 27, 2009

As músicas preferidas dos brasileiros...

A Gazeta do Povo publicou a relação dos CDs e DVDs mais vendidos no Brasil em 2008. Por prudência, evito comentar a lista, que segue abaixo. Pergunto: será que a relação dá boas pistas sobre o nível cultural do brasileiro? Ou ao menos sobre seu gosto musical?

É preciso considerar que a venda de CDs e DVDs vinha caindo nos três anos anteriores (por conta dos formatos digitais) e recuperou-se um pouco em 2008. A circulação de músicas nos novos formatos digitais está mais difundida numa camada de maior poder aquisitivo (com acesso fácil à internet e às novas tecnologias).

Então, que conclusões se podem tirar da análise da lista?


TOP 10 Os campeões de venda

Os 10 CDs mais vendidos no Brasil em 2008
1 – Padre Fábio Mello – Vida
2 – Padre Marcelo Rossi – Paz Sim, Violência Não (Volume 1)
3 – Victor & Leo – Borboletas
4 – Victor & Leo – Ao Vivo em Uberlândia
5 – Ivete Sangalo – Multishow Ao Vivo no Maracanã
6 – Padre Marcelo Rossi – Paz Sim, Violência Não (Volume 2)
7 – Zezé di Camargo & Luciano – Zezé di Camargo & Luciano (2008)
8 – Roberto Carlos – Roberto Carlos & Caetano Veloso e a Música de Tom Jobim
9 – Ana Carolina – Multishow Ao Vivo – Dois Quartos
10 – Leonardo – Coração Bandido


10 DVDs mais vendidos no Brasil em 2008
1 – Padre Marcelo Rossi - Paz Sim, Violência Não (Volume 1)
2 – Ivete Sangalo - Multishow Ao Vivo no Maracanã
3 - Ana Carolina – Multishow Ao Vivo – Dois Quartos
4 – Marisa Monte – Infinito Ao Meu Redor (duplo)
5 – Victor & Leo – Ao Vivo em Uberlândia
6 – Claudia Leitte – Ao Vivo em Copacabana (duplo)
7 – Xuxa – Só Para Baixinhos 8
8 – Amy Winehouse – I Told You I Was Trouble
9 – Roberto Carlos – Roberto Carlos & Caetano Veloso e a Música de Tom Jobim
10 – Alexandre Pires – Em Casa – Ao Vivo

Sunday, April 26, 2009

Mais uma “sessão de erros...”

Vamos lá para mais alguns errinhos encontrados na mídia.

1) A falta que faz o “cujo”...
A pop star Madonna caminha de mãos dadas com seu filho David Banda, numa escola que ela ajudou a financiar a construção...
(Gazeta do Povo, 31/03/2009, p. 8, Mundo, legenda de foto).
Comentário: ... numa escola cuja construção ela ajudou a financiar... – aqui está o bom e velho português.

2) Profecia jornalística...
Desmate será punido com rigor
(Gazeta do Povo, 17/03/2009, p. 4, Vida e Cidadania, título da matéria principal).
A matéria revela que os órgãos de fiscalização querem apertar a fiscalização e a punição contra pessoas responsáveis por desmatamento ilegal. Da “vontade” dos órgãos à punição real vai um bom caminho. Mas o editor acreditou que basta a boa vontade que, ipso facto, a punição será rigorosa. Vai ver que o jornalista não é brasileiro...

3) Má vontade
Beto recebeu doação de empresa tida como inidônea
(Gazeta do Povo, 21/03/2009, p. 17, Vida Pública, título da matéria principal).
A matéria informa que a empresa JoãoMed Comércio de Materiais Cirúrgicos, suspeita de cometer irregularidades em contrato com o governo da Bahia e que consta no Cadastro de Empresas Inidôneas e Suspeitas do governo federal, doou R$ 6.998,00 para a campanha eleitoral do candidato Beto Richa. Embora a matérias esclareça que por constar no cadastro “A empresa não fica proibida de fazer doações de campanha e ela não é prestadora de serviços da prefeitura de Curitiba”, o título evidentemente foi construído de modo a criar no leitor uma impressão desfavorável em relação ao prefeito. Para quem não lê a matéria toda e vê apenas o título, fica a má impressão. É assim que a mídia costuma fazer quando quer minar a imagem de alguém: noticiando com destaque um fato irrelevante e criando títulos tendenciosos.

4) Jogo ao vivo no UOL
O Guaratinguetá vai à Belo Horizonte encarar o Atlético MG...
Fim de primeiro tempo em Belo Horizonte. O Atlético vence pelo placar mínimo. Se o resultado se manter o time da casa se classifica e enfrentará o Vitória nas oitavas-de-final.

(Trasmissão em tempo real do jogo Atlético Mineiro x Guaratinguetá no UOL)
Se o jornalista “manter” esse português da próxima vez que for “à” Belo Horizonte talvez “perda” o emprego...

Saturday, April 25, 2009

Salário dos parlamentares

Ao contrário da grita alarmada de muitos, sem dúvida o aumento dos salários dos deputados, com o consequente fim da chamada “verba indenizatória”, seria, sim, moralizante e representaria economia para os cofres públicos. Melhor seria aumentar os salários e abolir qualquer outra verba (auxílio-moradia, verba para correspondência, para publicações etc.). Primeiro, porque os salários dos deputados e senadores são realmente baixos em relação ao que se paga na iniciativa privada num cargo de importância relativamente tão alta quanto a de um legislador federal. Em segundo lugar, porque, uma vez que cada parlamentar tivesse que controlar seus próprios gastos, acabaria a farra da gastança despropositada – qualquer despesa relativa às atividades individuais do parlamentar seria diretamente sentida por ele. Quem sairia pagando do próprio bolso, por exemplo, dúzias de viagens internacionais para parentes e amigos?

Além disso, os parlamentares teriam que pagar imposto sobre seus rendimentos, o que não acontece com as verbas indenizatórias e auxílios de toda ordem que o Legislativo oferece aos eleitos. Portanto, haveria, sim, moralização e economia - desde que todos os privilégios remuneratórios fossem cancelados em troca de um substancial aumento nos vencimentos.

Tuesday, April 21, 2009

O patético cinismo da Globo

Uma das principais equipes de vôlei feminino do Brasil acabou. O time mantido pela Finasa em Osasco-SP não existe mais. O Globo Esporte, da Rede Globo, levou ao ar hoje (21/04) extensa matéria sobre o fato, em clima de velório. Mas não citou uma vez sequer o nome do time. Falou do “time do (sic) Osasco”, assim como costuma chamar o Rexona/Ades de “time do Rio de Janeiro”.

Trata-se de uma ridícula e mal-intencionada sonegação de informação. Se o Rio de Janeiro um dia tiver dois times na Liga Nacional, como a Globo vai chamá-los? Pelo bairro da sede? E se um ficar no Flamengo e outro no Botafogo, como a Globo os denominaria?

A atitude da Globo demonstra o espírito mercenário da emissora. Só entra o nome de quem paga. Não pagou, não aparece. Uma importante jornalista esportiva da emissora revelou numa palestra, respondendo a pergunta da platéia, que se uma equipe de reportagem, ao gravar uma matéria, deixasse aparecer as marcas dos patrocinadores estaria sujeita a demissão. Daí os supercloses tão comuns nas matérias do jornalismo esportivo “global”, em que o cinegrafista faz o que pode para não mostrar sequer a marca exibida no boné do entrevistado, por exemplo.

O cinismo da emissora na matéria sobre o time da Finasa foi de dar nojo. A emissora boicota todos os grandes patrocinadores das equipes esportivas e depois chora lágrimas de crocodilo porque esses patrocinadores não conseguem manter as equipes. Se a Globo não sonegasse informação aos seus telespectadores e não mentisse descaradamente a ponto de trocar os verdadeiros nomes das equipes, talvez esses patrocinadores tivessem melhor retorno em seus investimentos no esporte e pudessem continuar destinando verbas para as atividades esportivas de alto nível no país. Mas enquanto a principal emissora brasileira continuar seu boicote mercenário, que configura sonegação de informação e alteração da realidade, os patrocinadores provavelmente pensarão duas vezes antes de investir.

Fico me perguntando o que aconteceria se o time do J. Malucelli, um dos primeiros clubes-empresas do país, que tem o nome do forte grupo empresarial que o mantém, fosse campeão paranaense de futebol (e ele tem boas chances de chegar ao título de 2009). Até o momento, a emissora ainda não trocou o nome do J. Malucelli para "o time do Barigüi" (bairro do seu estádio ). Será que anunciaria nacionalmente como campeão paranaense o nome do grupo empresarial?

Friday, April 17, 2009

Palmas para Murilo Benício

Em entrevista publicada no UOL sobre o programa Força-Tarefa, que estreou na Globo ontem, o ator Murilo Benício falou sobre corrupção (tema de post publicado aqui dia 01/04, ver abaixo “O país da corrupção”). Disse, textualmente: “Vivemos em um país em que a corrupção vem da raiz, é algo histórico. Ser corrupto no Brasil é praticamente cultural. Por exemplo, tenho dois filhos que têm todos os jogos de computador imagináveis. E jamais comprei nada pirata para eles. É a minha forma de conscientização de ser um cidadão que tem esperança de que o Brasil melhore. Se 180 milhões de pessoas pensassem dessa forma, acho que o país seria bem melhor.”
Parabéns ao Murilo Benício!

Saturday, April 11, 2009

Medo de quê?

Acho curiosas as avaliações que a Gazeta do Povo faz dos filmes em cartaz nos cinemas. Em geral, são bastante benevolentes. Do que será que os autores das resenhas têm medo? Qual o prejuízo deles ao dar notas baixas para os filmes? Haveria algum pacto espúrio com a indústria cultural?

É comum o Caderno G publicar resenhas falando muito mal de um filme e, no final, o autor ser bastante condescendente ao classificá-lo. Alguns exemplos: ao falar do filme The Spirit, Cristiano Castilho diz que o diretor Frank Miller “chega perto de envergonhar seus espectadores”. E depois de apontar só falhas na obra, classifica-a como... “regular”! Danielle Britto, ao analisar Os delírios de consumo de Becky Bloom, diz que a história tem um fim pouco original e que “nem o figurino consegue alavancar o filme...”, mas o classifica como... bom! Irinêo Netto, por sua vez, numa resenha com o implacável título “Perda de tempo”, escreve o seguinte: “Se conseguir encontrar uma piada engraçada (só uma) em Um louco apaixonado, se considere [sic] alguém de sorte”. E termina as dez linhas sobre o filme aconselhando: “Fuja enquanto há tempo.” E qual a classificação indicada para o filme? Regular!

O pior é que, embora a resenha seja publicada numa única edição do jornal, a classificação do filme permanece na programação enquanto o filme estiver em cartaz.

Saturday, April 04, 2009

Lição de Geografia

Propaganda política do DEM na tevê mostrou o presidente Lula no início da grande crise econômica mundial, dizendo que o Brasil não seria atingido. Lula tranquilizava os conterrâneos: "A crise dos Estados Unidos não atravessou o Atlântico"... Brilhante, senhor presidente, brilhante.

Legalização das drogas

No debate em torno da legalização ou não do consumo de drogas como a maconha, fico espantado com as discussões que simplesmente ignoram o álcool. O álcool é uma droga cujo consumo é legal e, no entanto, causa dano social igual ou maior que muitas drogas ilícitas. Os consumidores de maconha, por exemplo, são muito menos numerosos e fazem muito menos mal do que os alcoólatras. Entretanto, a indústria de bebidas é poderosa – quem ousará mexer com ela? Vale a pena prestar atenção na novela Caminho das Índias e reparar a quantidade de cenas em que os personagens aparecem consumindo álcool. É uma propaganda escandalosa. Quanto será que a indústria da bebida paga para a Globo? E nos créditos da novela nem aparece a indicação do escancarado merchandising...

Thursday, April 02, 2009

Incitação à desobediência?

A Gazeta do Povo publicou na coluna Entrelinhas de 16/03/09 a seguinte nota:

Estado sitiado – Quem dirige entre os municípios de Jacarezinho (PR), divisa com São Paulo, e Arapoti (PR), se depara com sucessivas barreiras das Polícias Rodoviárias Federal e Estadual. São montados até quatro pontos de fiscalização em menos de 100 quilômetros da PR-090 no Norte Pioneiro. A impressão do motorista que vem de São Paulo é que o Paraná está sitiado. Depois de pagar R$ 10,60 de pedágio no entroncamento entre a BR-369 e a 153, quem não toma o cuidado necessário corre sério risco de gastar com multas.

É muito curioso o comentário do jornal. Por que a crítica à fiscalização? O que o jornal deseja? Estradas mal-fiscalizadas? É muito bom mesmo que o motorista que “não toma o cuidado necessário” tenha que gastar com multas. Assim talvez tenha cuidado sempre e não ponha vidas em risco. Nota zero para a atitude da Gazeta ao publicar essa nota.

Wednesday, April 01, 2009

O país da corrupção

É freqüente aparecerem nos jornais artigos indignados com a corrupção no Brasil. A corrupção está por toda a parte, manifesta-se de alto a baixo da escala social e nos mais variados campos – daí surgirem algumas reações indignadas quando aparecem notícias da corrupção que grassa no país.

A verdade, entretanto, difícil de escamotear, é uma só: somos um país de corruptos. Sim, há honrosas exceções, é claro, que existem para confirmar a regra. Na realidade, desde cedo, já no berço, o brasileiro bebe o leite da corrupção, que corre em suas veias com o sangue. É uma questão de mentalidade, de modo de ser – infelizmente, arraigado neste país.

Seria interessante cada um se perguntar: já cometi algum ato de corrupção, por pequeno que seja? Se as respostas forem sinceras, quem poderá atirar a primeira pedra? Alguns pequenos exemplos: você usa programa de computador pirata? Já comprou um CD pirata? Copiou ou “baixou” algum arquivo de computador indevidamente? Alguma vez tentou pagar propina para alguma “autoridade”, como o guarda de trânsito, por exemplo? Omitiu algum dado na sua declaração do Imposto de Renda? “Colou” em alguma prova?

Alguém poderá alegar que isso não é corrupção. São “pequenas” infrações sem maiores conseqüências. Será? Pequenas doses de veneno são doses de veneno. A corrupção surge da quebra de regras estabelecidas. Quem não vacila ante a possibilidade de ser aprovado no exame do Detran graças ao pagamento “extra” de R$ 50 ao examinador por que vacilaria ante uma oferta de suborno de R$ 50 mil para votar a favor de determinado projeto se fosse deputado federal? Quantos críticos da corrupção seriam incorruptíveis se estivessem na mesma situação dos corruptos que aparecem na mídia?

Não há como negar que muitos, incontáveis brasileiros não tergiversariam nem um pouco ante a possibilidade de levar vantagem ilícita se lhes aparecesse a oportunidade. Quem recusaria a oferta de um emprego “facilitado” num órgão público, com um bom salário, concedido por favor ou amizade?

Sugiro que cada leitor faça um esforço de memória e tente se lembrar de casos que conhece, próximos, de gente que leva vantagem indevidamente. Num exercício rápido, enumero alguns casos sabidos por relatos particulares: 1) um assessor com cargo fantasma num órgão público, salário de R$ 5.000,00; 2) outro assessor de órgão público, também sem qualquer prestação de serviço em contrapartida ao gordo salário (caso que saiu publicado nos jornais uma única vez e nunca mais se falou nisso...); 3) um secretário de obras que construiu uma casa na praia com material de construção desviado de obras públicas; 4) um magistrado que “desaparece” do gabinete e deixa as audiências a cargo do funcionário de um cartório; 5) um fiscal de órgão público que comprou uma cobertura de R$ 1,5 milhão num edifício de luxo, transação incompatível com sua renda; 6) um grupo de policiais federais que rateava pelo menos metade do que apreendia em suas operações (eletrônicos, drogas etc.)... E muitos outros casos, maiores e menores, de que tomamos conhecimento cotidianamente simplesmente por conviver com as pessoas – e não cito aqui casos de que fiquei sabendo pela mídia, embora um ou outro dos que mencionei tenham sido noticiados.

Claro que, felizmente, conheço também histórias opostas, como a de um auditor da Receita recém-empossado que pediu exoneração após receber – e recusar – proposta de suborno de R$ 1 milhão para “aliviar” uma dívida de mais de R$ 10 milhões com o fisco. “Preferi sair logo a ter que ficar lutando cotidianamente com essas tentações, com o risco de sucumbir”, ouvi-o explicar. Mas a pergunta que fica é: quantos agiriam assim?

É certo que o mal de muitos não se torna mal menor. O que se quer indicar aqui é que o combate à corrupção não pode ser baseado tão-somente num ineficaz discurso indignado. A corrupção só pode ser combatida a partir da conduta pessoal de cada um. O Brasil será um país sem corrupção quando cada um dos brasileiros acostumar-se a não levar vantagem ilícita nunca. E a ver com maus olhos os “espertos” que se aproveitam dessas vantagens, em vez de invejá-los. O que faz a diferença é a mentalidade. Só diminuirão os casos de corrupção se for difundida uma mentalidade nova, diferente, que embase um comportamento avesso à corrupção.

Um conhecido contou-me que um colega seu foi fazer estágio numa fábrica de automóveis belga, hospedando-se na casa de um funcionário da indústria. Eles acordavam muito cedo e eram dos primeiros a chegar na fábrica. Para seu espanto, o colega belga estacionava o carro na vaga mais distante da entrada. Depois de alguns dias, ele resolveu perguntar o porquê daquela atitude que os obrigava a caminhar um bom pedaço até a entrada. O belga admirou-se da pergunta, pois achava a resposta óbvia: “Se nós chegamos cedo, temos tempo para ir calmamente até nosso trabalho. Então, precisamos deixar as vagas mais próximas da entrada para aqueles que chegam tarde, com menos tempo.” Para nós, brasileiros, pode parecer espantoso. Para o belga, era óbvio. Como se vê, é uma questão de mentalidade. O belga não queria “levar vantagem”, mas fazer o que era mais adequado para todos. Será que um dia chegaremos lá?