Tuesday, April 28, 2009

Importante é o que sai na mídia...

O que sai na mídia é o que acontece de mais importante ou importante é o que sai na mídia? Este "dilema de Tostines" é de fácil solução. Antes, algumas considerações sobre o papel social do jornalismo.

Muito se discute – e há muitos textos sobre o tema – a respeito da influência do jornalismo na sociedade atual. O fato é que a visão de mundo do cidadão médio é construída preponderantemente pelas informações que lhe chegam pela mídia. Esse é um dos principais fatores de importância do jornalismo. Os meios de comunicação (e, portanto, os jornalistas) são, nesse sentido, verdadeiros educadores.

Há muitos outros fatores. Os meios de comunicação, por exemplo, cumprem hoje, muito mais do que a literatura, o papel de definidores e fixadores da linguagem. O português como é falado no Brasil toma como padrão a linguagem dos meios de comunicação, para o bem e para o mal. Neologismos lançados pela mídia e repetidos incessantemente pelos veículos informativos, por exemplo, são logo incorporados à língua.

Entre muitos outros fatores de importância do jornalismo, entretanto, há um que talvez seja o mais relevante: a realidade socialmente aceita é aquela apresentada pela mídia. Os meios de comunicação de massa criam aquilo que se pode conceituar como “a verdade social” – ou, para expressar melhor, a verdade socialmente aceita. O que é apresentado pela mídia como verdade é verdade socialmente aceita.

Isso significa que a realidade é construída pelos meios de comunicação de massa. Como disse Eliseo Veron, “os acontecimentos sociais não são objetos que se encontram prontos num lugar qualquer na realidade e cujas propriedades a mídia nos faz conhecer depois: eles não existem senão na medida em que a mídia os fabrica”.

Basta pensar na quantidade imensa de fatos que acontecem diariamente e que os jornalistas precisam selecionar para noticiar. O que estará no jornal do dia seguinte seria, teoricamente, o que de mais importante aconteceu na véspera. Na impossibilidade de noticiar tudo, os profissionais da notícia elegem quais são os fatos mais relevantes, que mereçam ser noticiados. Dentre eles, os principais estarão nas capas dos jornais. Ora, essa seleção é feita por alguém, que é responsável por dizer à sociedade (a partir do público do veículo) o que é realmente importante. Portanto, esse mosaico (forçosamente parcial) de notícias forma uma imagem da realidade construída pelo jornalismo.

Pensemos, por exemplo, no Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, transmitido em rede nacional e que é assistido por milhões de brasileiros – na verdade, a grossa maioria das pessoas que têm televisão e assistem a algum telejornal. A TV continua sendo o principal meio de informação do cidadão médio. O IBGE já constatou que, nas grandes cidades, o número de domicílios com aparelhos de televisão superou os de domicílios com rádio. Uma matéria bombástica que for ao ar no Jornal Nacional será tema obrigatório de conversa no dia seguinte (num efeito de agenda setting). Isso dá uma idéia da importância do editor-chefe do Jornal Nacional. No fundo, é ele quem decide o que é mais importante para o país!

Cientes de que é preciso ser mostrado pela mídia para parecer (e, portanto, ser!) importante, muitos movimentos planejam suas atividades em torno de ações que possam repercutir na mídia. Um bom exemplo aparece hoje no UOL, que publica a foto de uma manifestação em Manila, Filipinas, de uma entidade chamada Peta (aliás, objeto de um dos primeiros posts deste blog), que se dedica à defesa dos animais. A foto da manifestação, cujo crédito é de Dennis M. (Sabangan/EFE), mostra quatro belas moças de biquini. Sim, quatro, apenas quatro. Na própria foto, é possível identificar pelos menos três fotógrafos para cada manifestante.

A foto correu mundo, tanto que chegou até mim, aqui no Brasil. O enquadramento fechado não permite saber se há mais manifestantes, nem procurei pesquisar. A fotografia já é significativa. Quatro pessoas, uma ação inusitada, um bom press release enviado à mída e pronto: está feita uma manifestação de repercussão mundial...

Monday, April 27, 2009

As músicas preferidas dos brasileiros...

A Gazeta do Povo publicou a relação dos CDs e DVDs mais vendidos no Brasil em 2008. Por prudência, evito comentar a lista, que segue abaixo. Pergunto: será que a relação dá boas pistas sobre o nível cultural do brasileiro? Ou ao menos sobre seu gosto musical?

É preciso considerar que a venda de CDs e DVDs vinha caindo nos três anos anteriores (por conta dos formatos digitais) e recuperou-se um pouco em 2008. A circulação de músicas nos novos formatos digitais está mais difundida numa camada de maior poder aquisitivo (com acesso fácil à internet e às novas tecnologias).

Então, que conclusões se podem tirar da análise da lista?


TOP 10 Os campeões de venda

Os 10 CDs mais vendidos no Brasil em 2008
1 – Padre Fábio Mello – Vida
2 – Padre Marcelo Rossi – Paz Sim, Violência Não (Volume 1)
3 – Victor & Leo – Borboletas
4 – Victor & Leo – Ao Vivo em Uberlândia
5 – Ivete Sangalo – Multishow Ao Vivo no Maracanã
6 – Padre Marcelo Rossi – Paz Sim, Violência Não (Volume 2)
7 – Zezé di Camargo & Luciano – Zezé di Camargo & Luciano (2008)
8 – Roberto Carlos – Roberto Carlos & Caetano Veloso e a Música de Tom Jobim
9 – Ana Carolina – Multishow Ao Vivo – Dois Quartos
10 – Leonardo – Coração Bandido


10 DVDs mais vendidos no Brasil em 2008
1 – Padre Marcelo Rossi - Paz Sim, Violência Não (Volume 1)
2 – Ivete Sangalo - Multishow Ao Vivo no Maracanã
3 - Ana Carolina – Multishow Ao Vivo – Dois Quartos
4 – Marisa Monte – Infinito Ao Meu Redor (duplo)
5 – Victor & Leo – Ao Vivo em Uberlândia
6 – Claudia Leitte – Ao Vivo em Copacabana (duplo)
7 – Xuxa – Só Para Baixinhos 8
8 – Amy Winehouse – I Told You I Was Trouble
9 – Roberto Carlos – Roberto Carlos & Caetano Veloso e a Música de Tom Jobim
10 – Alexandre Pires – Em Casa – Ao Vivo

Sunday, April 26, 2009

Mais uma “sessão de erros...”

Vamos lá para mais alguns errinhos encontrados na mídia.

1) A falta que faz o “cujo”...
A pop star Madonna caminha de mãos dadas com seu filho David Banda, numa escola que ela ajudou a financiar a construção...
(Gazeta do Povo, 31/03/2009, p. 8, Mundo, legenda de foto).
Comentário: ... numa escola cuja construção ela ajudou a financiar... – aqui está o bom e velho português.

2) Profecia jornalística...
Desmate será punido com rigor
(Gazeta do Povo, 17/03/2009, p. 4, Vida e Cidadania, título da matéria principal).
A matéria revela que os órgãos de fiscalização querem apertar a fiscalização e a punição contra pessoas responsáveis por desmatamento ilegal. Da “vontade” dos órgãos à punição real vai um bom caminho. Mas o editor acreditou que basta a boa vontade que, ipso facto, a punição será rigorosa. Vai ver que o jornalista não é brasileiro...

3) Má vontade
Beto recebeu doação de empresa tida como inidônea
(Gazeta do Povo, 21/03/2009, p. 17, Vida Pública, título da matéria principal).
A matéria informa que a empresa JoãoMed Comércio de Materiais Cirúrgicos, suspeita de cometer irregularidades em contrato com o governo da Bahia e que consta no Cadastro de Empresas Inidôneas e Suspeitas do governo federal, doou R$ 6.998,00 para a campanha eleitoral do candidato Beto Richa. Embora a matérias esclareça que por constar no cadastro “A empresa não fica proibida de fazer doações de campanha e ela não é prestadora de serviços da prefeitura de Curitiba”, o título evidentemente foi construído de modo a criar no leitor uma impressão desfavorável em relação ao prefeito. Para quem não lê a matéria toda e vê apenas o título, fica a má impressão. É assim que a mídia costuma fazer quando quer minar a imagem de alguém: noticiando com destaque um fato irrelevante e criando títulos tendenciosos.

4) Jogo ao vivo no UOL
O Guaratinguetá vai à Belo Horizonte encarar o Atlético MG...
Fim de primeiro tempo em Belo Horizonte. O Atlético vence pelo placar mínimo. Se o resultado se manter o time da casa se classifica e enfrentará o Vitória nas oitavas-de-final.

(Trasmissão em tempo real do jogo Atlético Mineiro x Guaratinguetá no UOL)
Se o jornalista “manter” esse português da próxima vez que for “à” Belo Horizonte talvez “perda” o emprego...

Saturday, April 25, 2009

Salário dos parlamentares

Ao contrário da grita alarmada de muitos, sem dúvida o aumento dos salários dos deputados, com o consequente fim da chamada “verba indenizatória”, seria, sim, moralizante e representaria economia para os cofres públicos. Melhor seria aumentar os salários e abolir qualquer outra verba (auxílio-moradia, verba para correspondência, para publicações etc.). Primeiro, porque os salários dos deputados e senadores são realmente baixos em relação ao que se paga na iniciativa privada num cargo de importância relativamente tão alta quanto a de um legislador federal. Em segundo lugar, porque, uma vez que cada parlamentar tivesse que controlar seus próprios gastos, acabaria a farra da gastança despropositada – qualquer despesa relativa às atividades individuais do parlamentar seria diretamente sentida por ele. Quem sairia pagando do próprio bolso, por exemplo, dúzias de viagens internacionais para parentes e amigos?

Além disso, os parlamentares teriam que pagar imposto sobre seus rendimentos, o que não acontece com as verbas indenizatórias e auxílios de toda ordem que o Legislativo oferece aos eleitos. Portanto, haveria, sim, moralização e economia - desde que todos os privilégios remuneratórios fossem cancelados em troca de um substancial aumento nos vencimentos.

Tuesday, April 21, 2009

O patético cinismo da Globo

Uma das principais equipes de vôlei feminino do Brasil acabou. O time mantido pela Finasa em Osasco-SP não existe mais. O Globo Esporte, da Rede Globo, levou ao ar hoje (21/04) extensa matéria sobre o fato, em clima de velório. Mas não citou uma vez sequer o nome do time. Falou do “time do (sic) Osasco”, assim como costuma chamar o Rexona/Ades de “time do Rio de Janeiro”.

Trata-se de uma ridícula e mal-intencionada sonegação de informação. Se o Rio de Janeiro um dia tiver dois times na Liga Nacional, como a Globo vai chamá-los? Pelo bairro da sede? E se um ficar no Flamengo e outro no Botafogo, como a Globo os denominaria?

A atitude da Globo demonstra o espírito mercenário da emissora. Só entra o nome de quem paga. Não pagou, não aparece. Uma importante jornalista esportiva da emissora revelou numa palestra, respondendo a pergunta da platéia, que se uma equipe de reportagem, ao gravar uma matéria, deixasse aparecer as marcas dos patrocinadores estaria sujeita a demissão. Daí os supercloses tão comuns nas matérias do jornalismo esportivo “global”, em que o cinegrafista faz o que pode para não mostrar sequer a marca exibida no boné do entrevistado, por exemplo.

O cinismo da emissora na matéria sobre o time da Finasa foi de dar nojo. A emissora boicota todos os grandes patrocinadores das equipes esportivas e depois chora lágrimas de crocodilo porque esses patrocinadores não conseguem manter as equipes. Se a Globo não sonegasse informação aos seus telespectadores e não mentisse descaradamente a ponto de trocar os verdadeiros nomes das equipes, talvez esses patrocinadores tivessem melhor retorno em seus investimentos no esporte e pudessem continuar destinando verbas para as atividades esportivas de alto nível no país. Mas enquanto a principal emissora brasileira continuar seu boicote mercenário, que configura sonegação de informação e alteração da realidade, os patrocinadores provavelmente pensarão duas vezes antes de investir.

Fico me perguntando o que aconteceria se o time do J. Malucelli, um dos primeiros clubes-empresas do país, que tem o nome do forte grupo empresarial que o mantém, fosse campeão paranaense de futebol (e ele tem boas chances de chegar ao título de 2009). Até o momento, a emissora ainda não trocou o nome do J. Malucelli para "o time do Barigüi" (bairro do seu estádio ). Será que anunciaria nacionalmente como campeão paranaense o nome do grupo empresarial?

Friday, April 17, 2009

Palmas para Murilo Benício

Em entrevista publicada no UOL sobre o programa Força-Tarefa, que estreou na Globo ontem, o ator Murilo Benício falou sobre corrupção (tema de post publicado aqui dia 01/04, ver abaixo “O país da corrupção”). Disse, textualmente: “Vivemos em um país em que a corrupção vem da raiz, é algo histórico. Ser corrupto no Brasil é praticamente cultural. Por exemplo, tenho dois filhos que têm todos os jogos de computador imagináveis. E jamais comprei nada pirata para eles. É a minha forma de conscientização de ser um cidadão que tem esperança de que o Brasil melhore. Se 180 milhões de pessoas pensassem dessa forma, acho que o país seria bem melhor.”
Parabéns ao Murilo Benício!

Saturday, April 11, 2009

Medo de quê?

Acho curiosas as avaliações que a Gazeta do Povo faz dos filmes em cartaz nos cinemas. Em geral, são bastante benevolentes. Do que será que os autores das resenhas têm medo? Qual o prejuízo deles ao dar notas baixas para os filmes? Haveria algum pacto espúrio com a indústria cultural?

É comum o Caderno G publicar resenhas falando muito mal de um filme e, no final, o autor ser bastante condescendente ao classificá-lo. Alguns exemplos: ao falar do filme The Spirit, Cristiano Castilho diz que o diretor Frank Miller “chega perto de envergonhar seus espectadores”. E depois de apontar só falhas na obra, classifica-a como... “regular”! Danielle Britto, ao analisar Os delírios de consumo de Becky Bloom, diz que a história tem um fim pouco original e que “nem o figurino consegue alavancar o filme...”, mas o classifica como... bom! Irinêo Netto, por sua vez, numa resenha com o implacável título “Perda de tempo”, escreve o seguinte: “Se conseguir encontrar uma piada engraçada (só uma) em Um louco apaixonado, se considere [sic] alguém de sorte”. E termina as dez linhas sobre o filme aconselhando: “Fuja enquanto há tempo.” E qual a classificação indicada para o filme? Regular!

O pior é que, embora a resenha seja publicada numa única edição do jornal, a classificação do filme permanece na programação enquanto o filme estiver em cartaz.

Saturday, April 04, 2009

Lição de Geografia

Propaganda política do DEM na tevê mostrou o presidente Lula no início da grande crise econômica mundial, dizendo que o Brasil não seria atingido. Lula tranquilizava os conterrâneos: "A crise dos Estados Unidos não atravessou o Atlântico"... Brilhante, senhor presidente, brilhante.

Legalização das drogas

No debate em torno da legalização ou não do consumo de drogas como a maconha, fico espantado com as discussões que simplesmente ignoram o álcool. O álcool é uma droga cujo consumo é legal e, no entanto, causa dano social igual ou maior que muitas drogas ilícitas. Os consumidores de maconha, por exemplo, são muito menos numerosos e fazem muito menos mal do que os alcoólatras. Entretanto, a indústria de bebidas é poderosa – quem ousará mexer com ela? Vale a pena prestar atenção na novela Caminho das Índias e reparar a quantidade de cenas em que os personagens aparecem consumindo álcool. É uma propaganda escandalosa. Quanto será que a indústria da bebida paga para a Globo? E nos créditos da novela nem aparece a indicação do escancarado merchandising...

Thursday, April 02, 2009

Incitação à desobediência?

A Gazeta do Povo publicou na coluna Entrelinhas de 16/03/09 a seguinte nota:

Estado sitiado – Quem dirige entre os municípios de Jacarezinho (PR), divisa com São Paulo, e Arapoti (PR), se depara com sucessivas barreiras das Polícias Rodoviárias Federal e Estadual. São montados até quatro pontos de fiscalização em menos de 100 quilômetros da PR-090 no Norte Pioneiro. A impressão do motorista que vem de São Paulo é que o Paraná está sitiado. Depois de pagar R$ 10,60 de pedágio no entroncamento entre a BR-369 e a 153, quem não toma o cuidado necessário corre sério risco de gastar com multas.

É muito curioso o comentário do jornal. Por que a crítica à fiscalização? O que o jornal deseja? Estradas mal-fiscalizadas? É muito bom mesmo que o motorista que “não toma o cuidado necessário” tenha que gastar com multas. Assim talvez tenha cuidado sempre e não ponha vidas em risco. Nota zero para a atitude da Gazeta ao publicar essa nota.

Wednesday, April 01, 2009

O país da corrupção

É freqüente aparecerem nos jornais artigos indignados com a corrupção no Brasil. A corrupção está por toda a parte, manifesta-se de alto a baixo da escala social e nos mais variados campos – daí surgirem algumas reações indignadas quando aparecem notícias da corrupção que grassa no país.

A verdade, entretanto, difícil de escamotear, é uma só: somos um país de corruptos. Sim, há honrosas exceções, é claro, que existem para confirmar a regra. Na realidade, desde cedo, já no berço, o brasileiro bebe o leite da corrupção, que corre em suas veias com o sangue. É uma questão de mentalidade, de modo de ser – infelizmente, arraigado neste país.

Seria interessante cada um se perguntar: já cometi algum ato de corrupção, por pequeno que seja? Se as respostas forem sinceras, quem poderá atirar a primeira pedra? Alguns pequenos exemplos: você usa programa de computador pirata? Já comprou um CD pirata? Copiou ou “baixou” algum arquivo de computador indevidamente? Alguma vez tentou pagar propina para alguma “autoridade”, como o guarda de trânsito, por exemplo? Omitiu algum dado na sua declaração do Imposto de Renda? “Colou” em alguma prova?

Alguém poderá alegar que isso não é corrupção. São “pequenas” infrações sem maiores conseqüências. Será? Pequenas doses de veneno são doses de veneno. A corrupção surge da quebra de regras estabelecidas. Quem não vacila ante a possibilidade de ser aprovado no exame do Detran graças ao pagamento “extra” de R$ 50 ao examinador por que vacilaria ante uma oferta de suborno de R$ 50 mil para votar a favor de determinado projeto se fosse deputado federal? Quantos críticos da corrupção seriam incorruptíveis se estivessem na mesma situação dos corruptos que aparecem na mídia?

Não há como negar que muitos, incontáveis brasileiros não tergiversariam nem um pouco ante a possibilidade de levar vantagem ilícita se lhes aparecesse a oportunidade. Quem recusaria a oferta de um emprego “facilitado” num órgão público, com um bom salário, concedido por favor ou amizade?

Sugiro que cada leitor faça um esforço de memória e tente se lembrar de casos que conhece, próximos, de gente que leva vantagem indevidamente. Num exercício rápido, enumero alguns casos sabidos por relatos particulares: 1) um assessor com cargo fantasma num órgão público, salário de R$ 5.000,00; 2) outro assessor de órgão público, também sem qualquer prestação de serviço em contrapartida ao gordo salário (caso que saiu publicado nos jornais uma única vez e nunca mais se falou nisso...); 3) um secretário de obras que construiu uma casa na praia com material de construção desviado de obras públicas; 4) um magistrado que “desaparece” do gabinete e deixa as audiências a cargo do funcionário de um cartório; 5) um fiscal de órgão público que comprou uma cobertura de R$ 1,5 milhão num edifício de luxo, transação incompatível com sua renda; 6) um grupo de policiais federais que rateava pelo menos metade do que apreendia em suas operações (eletrônicos, drogas etc.)... E muitos outros casos, maiores e menores, de que tomamos conhecimento cotidianamente simplesmente por conviver com as pessoas – e não cito aqui casos de que fiquei sabendo pela mídia, embora um ou outro dos que mencionei tenham sido noticiados.

Claro que, felizmente, conheço também histórias opostas, como a de um auditor da Receita recém-empossado que pediu exoneração após receber – e recusar – proposta de suborno de R$ 1 milhão para “aliviar” uma dívida de mais de R$ 10 milhões com o fisco. “Preferi sair logo a ter que ficar lutando cotidianamente com essas tentações, com o risco de sucumbir”, ouvi-o explicar. Mas a pergunta que fica é: quantos agiriam assim?

É certo que o mal de muitos não se torna mal menor. O que se quer indicar aqui é que o combate à corrupção não pode ser baseado tão-somente num ineficaz discurso indignado. A corrupção só pode ser combatida a partir da conduta pessoal de cada um. O Brasil será um país sem corrupção quando cada um dos brasileiros acostumar-se a não levar vantagem ilícita nunca. E a ver com maus olhos os “espertos” que se aproveitam dessas vantagens, em vez de invejá-los. O que faz a diferença é a mentalidade. Só diminuirão os casos de corrupção se for difundida uma mentalidade nova, diferente, que embase um comportamento avesso à corrupção.

Um conhecido contou-me que um colega seu foi fazer estágio numa fábrica de automóveis belga, hospedando-se na casa de um funcionário da indústria. Eles acordavam muito cedo e eram dos primeiros a chegar na fábrica. Para seu espanto, o colega belga estacionava o carro na vaga mais distante da entrada. Depois de alguns dias, ele resolveu perguntar o porquê daquela atitude que os obrigava a caminhar um bom pedaço até a entrada. O belga admirou-se da pergunta, pois achava a resposta óbvia: “Se nós chegamos cedo, temos tempo para ir calmamente até nosso trabalho. Então, precisamos deixar as vagas mais próximas da entrada para aqueles que chegam tarde, com menos tempo.” Para nós, brasileiros, pode parecer espantoso. Para o belga, era óbvio. Como se vê, é uma questão de mentalidade. O belga não queria “levar vantagem”, mas fazer o que era mais adequado para todos. Será que um dia chegaremos lá?