Friday, September 26, 2008

Ditadura instalada

Embora a notícia já seja da semana passada, não resisto a comentar, ainda que de passagem, o texto "Carta aberta aos defensores de democracia brasileira", assinado por Daniela Bueno e publicado na Gazeta do Povo de 17/09/2008. A autora conta que seu perfil e todos os comentários por ela postados no Orkut foram excluídos do site de relacionamento por ordem da Justiça Eleitoral, sob o pretexto de ela estar fazendo propaganda eleitoral ilegal.

Leia o texto. Dou todo apoio a Daniela Bueno. Indigno-me com a atitude ditatorial e anticonstitucional ordenada pela "Justiça".

Ditadura à vista?

Responda rápido: você gostaria de viver num país cujo governo seguisse uma linda religiosa fundamentalista? Responda mais rápido ainda: o que você faria se isso acontecesse no Brasil? Pois é. Informações publicadas recentemente na imprensa dão conta de que Edir Macedo, o milionário todo-poderoso da Igreja Universal do Reino de Deus, lançou um livro intitulado "Plano de Poder", no qual estimularia os fiéis da igreja a participarem da política.

O título da matéria publicada na Gazeta do Povo (Curitiba-PR), a partir de despacho da Agência O Globo, é: "Edir Macedo revela plano político em livro". O subtítulo: "Líder da Igreja Universal incita os evangélicos a tomar o poder. Objetivo seria construir o projeto de nação que Deus teria sonhado para os hebreus". Você é capaz de imaginar como seria esse "projeto de nação"?

Vale lembrar que o ex-bispo da Iurd Marcelo Crivella é candidato à prefeitura do Rio de Janeiro e já esteve à frente nas pesquisas de intenção de voto. Felizmente, deixou o primeiro lugar, especialmente depois de constatadas as obras eleitoreiras que promovia numa favela, como foi amplamente noticiado.

É sabido que uma eleição se ganha quase sempre de acordo com a quantia de dinheiro investida. Até onde os milhões da Iurd poderão ir numa eleição?

"Bric-a-braque"

A sigla Bric indica um grupo de países formado por Brasil, Rússia, Índia e China - nações emergentes de grande extensão territorial, populosas e com grande potencial econômico. Pois a Gazeta do Povo (Curitiba-PR) publicou um texto (créditado à Agência Estado) com o título "Brics querem influir em políticas globais". Huuummm.... Não existe "Brics". Ou se diz "Bric querem...", concordando o verbo com os nomes dos países abreviados, ou, melhor ainda, "Bric quer...", ficando subentendido "O grupo Bric".

Tem sido notável na grande imprensa os erros de grafia, ortografia, concordância, regência. Sem querer entrar em discussões acadêmicas sobre o uso da língua, o fato é que a mídia tem hoje um papel mais importante na definição desse uso do que a literatura. Neologismos criados e/ou encampados pela mídia (como "lideranças" no lugar de "líderes" e "listagem" no lugar de "lista", por exemplo) têm entrado no uso cotidiano e nos dicionários. Tudo bem. Mas que nossos caríssimos colegas jornalistas fariam bem em escrever corretinho, segundo as atuais normas da língua escrita padrão, ah, fariam sim.

De vez em quando, vou apontar aqui alguns errinhos e errões. Que não são tão graves, aliás, quanto os inúmeros erros de conteúdo que constumam aparecer na mídia.

Wednesday, September 17, 2008

Morreu Diaféria

Morreu hoje o jornalista Lourenço Diaféria, que foi cronista da Folha de S. Paulo. Fiquei triste. Diaféria possibilitou-me o primeiro contato com as arbitrariedades da ditadura. Explico...

Minha cidadezinha natal, Cambará, na década de 60, tinha um sistema de vida muito ligado à vida rural e uma predominante mentalidade conservadora típica dos proprietários de terras. Meu pai era eleitor da Arena e assinante do Estadão. Eu vivia na alienação típica desse ambiente e de uma infância e pré-adolescência despreocupadas. O horror da ditadura não chegava àquela família classe média bem "encaixada" no sistema.

Quando nos mudamos para Curitiba, em 1976, Papai tentou assinar o Estadão, mas o serviço de entrega do jornal não chegava em nosso novo endereço (no "distante" Ahu, a seis quilômetros do Centro...). Papai resolveu então assinar a Folha de S. Paulo, o que, naqueles tempos, representava uma grande mudança!

Passei a ler a Folha. E minha leitura predileta eram as crônicas de Diaféria. No dia 1º de setembro de 1977, a Folha publicou uma crônica sua intitulada "Herói. Morto. Nós." Gostei muito do texto, que ficou marcado na minha memória. Foi a última crônica do autor que li na Folha.

O texto provocou a ira dos militares, que levaram Diaféria à prisão e ameaçaram fechar o jornal. Em protesto, a Folha publicou, na edição em que deveria sair a crônica seguinte de Diaféria, uma coluna em branco (veja aqui o relato do acontecimento no site da Folha).

Fiquei indignado. Diaféria desapareceu das páginas da Folha. Mas aquela sua crônica nunca se apagou das minhas lembranças.

Hoje, dia em que ele morreu, reli a crônica, no site da Folha. O texto me tocou, não só pelo seu conteúdo, mas pela carga emocional ligada a meu passado. Segue abaixo o texto, extraído do site da Folha.

HERÓI. MORTO. NÓS.
[Crônica publicada em 1º de setembro de 1977]
Neste texto foi mantida a grafia original da época

Lourenço Diaféria

Não me venham com besteiras de dizer que herói não existe. Passei metade do dia imaginando uma palavra menos desgastada para definir o gesto desse sargento Sílvio, que pulou no poço das ariranhas, para salvar o garoto de catorze anos, que estava sendo dilacerado pelos bichos.

O garoto está salvo. O sargento morreu e está sendo enterrado em sua terra.

Que nome devo dar a esse homem?

Escrevo com todas as letras: o sargento Silvio é um herói. Se não morreu na guerra, se não disparou nenhum tiro, se não foi enforcado, tanto melhor.

Podem me explicar que esse tipo de heroísmo é resultado de uma total inconsciência do perigo. Pois quero que se lixem as explicações. Para mim, o herói - como o santo - é aquele que vive sua vida até as últimas consequências.

O herói redime a humanidade à deriva.

Esse sargento Silvio podia estar vivo da silva com seus quatro filhos e sua mulher. Acabaria capitão, major.

Está morto.

Um belíssimo sargento morto.

E todavia.

Todavia eu digo, com todas as letras: prefiro esse sargento herói ao duque de Caxias.

O duque de Caxias é um homem a cavalo reduzido a uma estátua. Aquela espada que o duque ergue ao ar aqui na Praça Princesa Isabel - onde se reúnem os ciganos e as pombas do entardecer - oxidou-se no coração do povo. O povo está cansado de espadas e de cavalos. O povo urina nos heróis de pedestal. Ao povo desgosta o herói de bronze, irretocável e irretorquível, como as enfadonhas lições repetidas por cansadas professoras que não acreditam no que mandam decorar.

O povo quer o herói sargento que seja como ele: povo. Um sargento que dê as mãos aos filhos e à mulher, e passeie incógnito e desfardado, sem divisas, entre seus irmãos.

No instante em que o sargento - apesar do grito de perigo e de alerta de sua mulher - salta no fosso das simpáticas e ferozes ariranhas, para salvar da morte o garoto que não era seu, ele está ensinando a este país, de heróis estáticos e fundidos em metal, que todos somos responsáveis pelos espinhos que machucam o couro de todos.

Esse sargento não é do grupo do cambalacho.

Esse sargento não pensou se, para ser honesto para consigo mesmo, um cidadão deve ser civil ou militar. Duvido, e faço pouco, que esse pobre sargento morto fez revoluções de bar, na base do uísque e da farolagem, e duvido que em algum instante ele imaginou que apareceria na primeira página dos jornais.

É apenas um homem que - como disse quando pressentiu as suas últimas quarenta e oito horas, quando pressentiu o roteiro de sua última viagem - não podia permanecer insensível diante de uma criança sem defesa.

O povo prefere esses heróis: de carne e sangue.

Mas, como sempre, o herói é reconhecido depois, muito depois. Tarde demais.

É isso, sargento: nestes tempos cruéis e embotados, a gente não teve o instante de te reconhecer entre o povo. A gente não distinguiu teu rosto na multidão. Éramos irmãos, e só descobrimos isso agora, quando o sangue verte, e quanto te enterramos. O herói e o santo é o que derrama seu sangue. Esse é o preço que deles cobramos.

Podíamos ter estendido nossas mãos e te arrancando do fosso das ariranhas - como você tirou o menino de catorze anos - mas queríamos que alguém fizesse o gesto de solidariedade em nosso lugar.

Sempre é assim: o herói e o santo é o que estende as mãos.

E este é o nosso grande remorso: o de fazer as coisas urgentes e inadiáveis -tarde demais.

Friday, September 12, 2008

Por que gostamos tanto de futebol?

Sempre me pergunto por que gostamos tanto de futebol. Eu mesmo, grande apreciador desse incomparável esporte, não consigo entender meu próprio gosto. Tento forçar a memória para me lembrar como me surgiu este apego tão inexplicável. Vejo-me com 14 anos em Cambará, no interior do Paraná, minha cidade natal.

Quando nasci, Cambará vivia as últimas glórias (moderadas, é verdade...) do CAC – Cambará Atlético Clube, campeão do Norte Paranaense em 1963 e 1964, um ano antes de se retirar do futebol profissional. Foi só anos depois, em 1974, que surgiu a Sociedade Esportiva Matsubara. Transformou-se logo no time de todos nós, cambaraenses.

Com meus 14 anos, eu era, modéstia à parte, um excelente goleiro. Jogava sobretudo no campinho de areia do Clube Norte, onde era convidado pelos “mais velhos” (os jovens de 18 a 20 anos...) para jogar com eles, que chegavam a brincar dizendo que o vencedor da partida era quem ganhava no par ou ímpar para começar a escolher o time – eu, que tinha então o apelido futebolístico de “Aranha”, era sempre o primeiro escolhido, garantia de que o time não levaria gols.

Quando me mudei para Curitiba, em 1976, minha família estabeleceu-se no Ahu. Logo procurei onde assistir a bons jogos de futebol, diversão rara na cidadezinha-sede do Matsubara. Pela proximidade, comecei a freqüentar o Belfort Duarte. Lá, assisti jogos como Brasil 1 x 1 Seleção Paranaense, naqueles esquisitos tempos em que a seleção brasileira treinava jogando contra seleções estaduais (enfrentando, naturalmente, sempre uma torcida contrária!). Um dia, tive o prazer de poder assistir ao “meu” Matsubara jogar no Couto Pereira. Era em 1977, numa rodada dupla (outra coisa rara hoje!). Lembro-me de outros dois times envolvidos nos confrontos: Atlético e Coritiba. Não me lembro do quarto, provavelmente Pinheiros ou Colorado. Mas me lembro bem que o Matsubara jogaria contra o Coritiba, enquanto o Atlético enfrentaria o outro time. Fiquei, naturalmente, junto à torcida do Atlético.

Quando chegou o ônibus com os torcedores da TOM (a Torcida Organizada do Matsubara – diga-se aqui de passagem, único caso de torcida dona de estádio, pois foi a TOM quem construiu o Estádio Regional de Cambará, que leva este nome por ser capaz de abrigar toda a população urbana do município!), fui recepcioná-los na entrada para conduzi-los junto à torcida do Atlético, com todo o cuidado, esclarecendo que aquele verde-e-branco não era do rival coxa.

Foi meu primeiro contato com o calor da torcida rubro-negra. Torcemos juntos, pelo Matsubara e contra o coxa. Quando tive que escolher um time na capital paranaense, não havia como escolher outro: tornei-me atleticano.

Bem, toda essa história não responde à pergunta do título. Afinal, por que tanto gosto? Depois de muito pensar e procurar teorias explicativas, tanto na Sociologia quanto na Psicologia, elaborei minha própria resposta: é um traço da nossa ancestralidade troglodita. Não precisamos mais caçar para comer, não temos mais que disputar as fêmeas a tacape e arrastá-las pelos cabelos para nossas cavernas. Ficamos órfãos da disputa física por território, comida e garantia de perpetuação da raça. Mas milênios de “civilização” não foram suficientes para que muitos de nós nos livrássemos do gene que nos impulsiona para a luta física da sobrevivência (louvo aqueles que o conseguiram e não gostam de futebol!).

Nós, então, trogloditas mal-civilizados, transferimos para aquele retângulo de grama toda nossa energia ancestral. É lá, dentro ou em torno dele, que fazemos a catarse da nossa ancestralidade bruta. É lá que descarregamos tudo que o instinto quase-animal reclama do nosso íntimo. Enxergamos no rival aquele que nos disputa o território, o tigre-de-dentes-de-sabre a abater, o alimento a conquistar. Esse é o grande e importantíssimo papel do futebol em nossas vidas!

Portanto, senhoras esposas, namoradas, noivas e amantes: não nos censurem o gosto pelo futebol. É para o bem de todos, pela segurança das mulheres brasileiras...

Um troglodita!

Passei seis dias sem internet. Seis dias! Senti-me um troglodita, um Robinson Crusoé perdido numa ilha deserta, um homem fora do mundo. Que horror! Como é possível viver sem estar ligado ao universo, a tudo, a qualquer coisa que se queira? Afinal, consegui restabelecer contato e posso, entre outras coisas, postar no meu blog. Bendita sejas, internet!