Friday, December 25, 2009

Segurança nos estádios: o normal, o excepcional e o paranoico


O caso da violência no estádio Couto Pereira após a partida Coritiba x Fluminense tem dominado o noticiário esportivo. Independentemente das consequências que o fato possa ter para o clube, a questão possibilita algumas reflexões importantes. Em primeiro lugar, é preciso ter claro que a violência não é “privilégio” dos estádios de futebol. Ela existe na sociedade e se potencializa em aglomerações, ainda mais as que envolvem paixão, como é o caso das partidas de futebol. Ademais, é curioso, ante a ameaça de violência, atestar a ideia um tanto generalizada de que a lei pode resolver tudo, inclusive os problemas sociais. Há uma fantasia difusa de que basta criar uma lei para que um problema se resolva, como se a lei tivesse um poder mágico de transformação social, o que é absolutamente irreal.

No caso específico da invasão do campo do Coritiba, a legislação indica as atitudes esperadas de uma agremiação esportiva. O artigo 211 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva penaliza a instituição que “Deixar de manter o local que tenha indicado para realização do evento com infraestrutura necessária a assegurar plena garantia e segurança de para sua realização”. Já o artigo 213 prevê sanções à entidade que “Deixar de tomar providências capazes de prevenir e reprimir desordens em sua praça de desporto” – e seu parágrafo primeiro completa: “Incide nas mesmas penas a entidade que, dentro de sua praça de desporto, não prevenir e reprimir a sua invasão bem assim o lançamento de objeto no campo ou local da disputa do evento desportivo”. Alegar que o Couto Pereira não tem a infraestrutura necessária para um jogo de futebol é afrontar a realidade. O estádio tem condições semelhantes à da grandíssima maioria dos estádios brasileiros. Dizem os críticos que a estrutura não impede a invasão dos torcedores. Mas qual estrutura faria isso? Um fosso de seis metros de largura e cinco de profundidade, guarnecido por grades de ferro pontiagudas? Ridículo.

Muitos dos fantásticos estádios europeus não têm qualquer barreira física entre a torcida e o campo. Um bom exemplo é o magnífico Estádio do Dragão, do Futebol Clube do Porto, em Portugal. A primeira fila de cadeiras está a cerca de cinco metros da linha lateral do campo, e não há qualquer barreira física que impeça a invasão – apenas uma mureta baixa de menos de um metro de altura (ver foto nest post). A segurança dos 40 mil torcedores em dia de grandes jogos é feita por 200 guardas desarmados.

Qual seria o efetivo necessário para impedir a invasão do campo no Couto Pereira numa partida com 35 mil torcedores? Provavelmente, 300 soldados armados de metralhadores e granadas! Sim, pois se os 35 mil resolvessem invadir o campo para massacrar os jogadores, o trio de arbitragem, os dirigentes e os policiais, ninguém poderia impedir – a não ser muitos soldados fortemente armados. E como “prevenir e reprimir” o “lançamento de objeto no campo”? Como evitar que cada um dos 35 mil presentes jogue qualquer coisa no gramado? As atitudes possíveis são aquelas tomadas por todos os clubes: encher o estádio de avisos, repeti-los no sistema de som do estádio, pedir aos próprios torcedores que denunciem os infratores para que sejam detidos. O único modo de cumprir à risca o que manda a letra da lei seria não ter torcedores no estádio, ou cercar o campo com o célebre “escudo magnético de segurança” da nave espacial da antiga série “Perdidos no Espaço” – coisa de ficção, portanto.

Como a lei não tem o poder mágico de fazer com que os problemas se resolvam, o julgador, em geral, tem o bom senso de avaliar as atitudes possíveis, e não aquelas imaginadas pelo regulamento, muitas vezes idealizadas e impossíveis. Portanto, no caso concreto do Coritiba, pode-se dizer que o clube tomou as providências cabíveis. A infraestrutura do estádio é adequada, o efetivo era o necessário. Afora isso, não há como impedir um bando de arruaceiros de invadir o campo – salvo dos modos excepcionais já mencionados, que não se justificam em situações ordinárias, como é uma partida de futebol como todas as outras milhares realizadas ao longo do ano em centenas de estádios Brasil afora. Numa situação extraordinária como a que ocorreu, a polícia agiu conforme deveria. Após o fato, o que se pode fazer é punir os vândalos – e para isso o clube tem colaborado ativamente.

O Coritiba provavelmente receberá uma punição dura, a pretexto de servir de exemplo. Mas de nada adiantará, pois não há mais o que fazer nos estádios além daquilo que fez o clube, igual ao que todos fazem. A vida em sociedade pressupõe um determinado padrão de comportamento das pessoas, sem o qual o convício social seria impossível. Não deixo de andar na rua XV com medo de que os passantes me assaltem – embora fosse impossível eu me safar se os pedestres da XV de repente resolvessem deixar-me nu na rua, levando todos meus pertences – independentemente da existência de câmeras de vigilância, policiais ou qualquer outra coisa. Isso não acontece, pois vivemos numa situação de normalidade, baseada num pacto social que possibilita o convívio coletivo. Quem rompe essas regras de normalidade é o criminoso.

Já se tornou lugar comum afirmar que se os favelados do Rio de Janeiro resolvessem descer o morro para saquear o comércio não haveria como impedir. E não haveria mesmo, salvo em condições de guerra assumida. Mas todos sabem que isso não vai acontecer – não apenas porque a quase totalidade dos moradores das favelas cariocas é composta por gente trabalhadora e honesta, mas porque, em condições normais, as pessoas respeitam o pacto de convívio social. Em lugares onde há conflito declarado, as coisas mudam. Se aqui os shoppings centers não têm qualquer esquema de segurança que impeça alguém de entrar com uma bomba, o mesmo não acontece, por exemplo, em Bogotá, na Colômbia, onde em alguns shoppings os carros que entram são revistados com o auxílio de cães farejadores de explosivos. Lá, a normalidade foi rompida pela atuação da guerrilha – embora os atentados na capital colombiana não aconteçam há tempos, o que inclusive tem levado ao afrouxamento das medidas extraordinárias de segurança.

O que houve no Couto Pereira, portanto, foi uma situação de excepcionalidade que não há como prevenir senão com ações excepcionais – e não seria o caso de preparar essas ações, porque seria inviável haver em cada estádio de futebol um aparato de segurança comparável ao que se usa num país em guerra. Se havia uma ameaça prévia, o clube providenciou um número bem maior do que o habitual de seguranças particulares, assim como a Polícia Militar designou um efetivo maior de policiais para a garantia da ordem no estádio.

Aqueles que rompem o pacto de convívio social devem ser punidos. De resto, não há por que viver uma paranoia de segurança como se todos os eventos com grande número de pessoas pudessem transformar-se no Armagedon. Em condições normais, a segurança dos estádios de futebol tem sido adequada, e uma punição excessivamente rigorosa a um único clube, por um caso excepcional, em nada mudará o panorama.

2 comments:

Anonymous said...

ou seja, a base de tudo é a EDUCAÇÃO. Quando será que nossos governantes vão entender isto e parar de só "remendar" os danos causados pela falta dela? Não seria mais fácil e econômico ir direto no problema?
Noara

eriel said...

acontece que a indústria dos que ganham com o não-conserto das coisas sempre ganha! nunca me esqueço de um exemplo que vi numa palestra: os bancos, enfrentando o problema das filas, resolveram... pôr cadeirinhas para as pessoas sentarem! No final das contas, criam-se mil aparatos complicados para manter a existência dos erros, quando estes é que deveriam ser combatidos.