Se um dia eu for acusado
de um crime, quero ter um advogado competente, que lute por meus direitos, e um
juiz isento, que julgue conforme a lei. Qualquer pessoa está sujeita a uma
acusação, ainda que injusta – ser acusado não significa ser culpado, por óbvio.
É questão de sobrevivência
para a democracia a existência
de um Judiciário livre e isento. E por isso fiquei muito assustado com a reação
do Ministro Joaquim Barbosa à interpelação de um advogado numa sessão do STF.
O advogado cumpria sua obrigação: defender os interesses de seu cliente.
Não importa qual seja o cliente, pois qualquer cidadão tem direito a defesa. E
o advogado não é cúmplice daquele que defende: é um profissional cujo dever de
ofício é defender seu cliente. Mesmo que o acusado seja um assassino, um
criminoso confesso, um ladrão contumaz, tem o sagrado direito constitucional a
defesa.
Pois bem, era o que fazia o advogado em questão, Luiz Fernando Pacheco.
Pois o ilustre Ministro cassou-lhe a palavra, sem dar resposta à sua demanda, e
mandou que fosse retirado à força, num gesto de autoritarismo condenado até por
seu colega Ministro Marco Aurélio Mello (que disse: “Achei péssimo. Nada surge
sem uma causa, e deve haver uma causa. E a causa, aponto como não haver ainda o
presidente trazido os agravos à mesa. [...] Foi ruim em termos de
estado democrático de direito. O regime é essencialmente democrático, e
advogado tem, pelo Estatuto da Advocacia, o direito à palavra”).
O mais espantoso do caso, entretanto, foram as frases ditas pelo
Ministro Barbosa quando o advogado o acusou de abuso de autoridade: “Quem está
abusando de autoridade é Vossa Excelência. A República não pertence a Vossa
Excelência e nem à sua grei.”
Em primeiro lugar, quem pode cometer abuso de autoridade é... a autoridade!
No texto da lei: “as autoridades que, no exercício de suas funções, cometerem
abusos”. E a lei define explicitamente no seu texto, como abuso de autoridade,
o “atentado ... aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício
profissional.” A autoridade, ali, era o Ministro, não o advogado, que foi
cerceado no seu direito de exercício profissional. Inconcebível que um
magistrado do porte do Ministro Barbosa ignore esse fato básico.
Mas o pior em suas palavras é a afirmação: “A República não pertence a
Vossa Excelência e nem à sua grei.” A que “grei” estaria ele se referindo? À
grei dos advogados? À dos defensores dos acusados no caso do “Mensalão”? Ora,
tais palavras revelam uma predisposição do julgador contra um determinado grupo
de pessoas por serem quem são (uma “grei”) e não em função de crimes que tenham
cometido (e, repita-se, o advogado não comete crime algum por defender seu
cliente).
É princípio básico do Direito Penal que o acusado seja julgado em função
do que fez e não do que é. Não se julga a pessoa como tal, mas como agente de
uma determinada conduta tipificada como delituosa. Quando um Ministro do STF
identifica uma “grei” contra a qual se insurge, está perigosa e
escandalosamente fugindo desse princípio básico. O que aponta para uma posição
ditatorial. É de dar medo.
Quem comete algum delito deve ser julgado com justiça e, se condenado,
receber a pena determinada conforme a lei. Se um magistrado deixa escapar uma
posição de repúdio prévio a alguém por supor que pertença a um determinado grupo – e não
em função dos delitos cometidos –, está expondo sua incapacidade de julgar com
isenção.
Lembro-me sempre de uma frase de Tomás Morus, que vi num antigo filme
sobre sua vida (“O homem que não vendeu sua alma”, ou “A man for all seasons”,
no original). Dizia ele que até ao diabo deveriam ser garantidos todos os
direitos da lei. Porque, se um dia destruíssemos o edifício legal a pretexto de
facilitar a condenação do diabo, não teríamos depois onde nos abrigar.
1 comment:
"A REPUBLICA NÃO PERTENCE NEM A VOSSA EXCELÊNCIA E NEM A SUA GREI": SAIBA DISSO!
O Ministro Barbosa não titubeia ao proferir, convicto, seus pareceres. Notamos assim que sua formação é muito bem alicerçada em informações técnicas.
Seus achismos apresentam-se como silenciosas e ainda insistentes dúvidas, comuns em outros cidadãos. É por aí que estranhamos suas atitudes, pois não são comuns e sim carregadas de super razões e indignação sobre tudo que deprecia nossa nação.
Bom! Ele mandou o "adevogado" do Genuíno sair de cena, meio que contra a vontade deste. Então fica assim quem vai pegar quem?
Líbano Montesanti Calil Atallah
Diretor de Imagem Pública
www.tvartponto.com
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