Wednesday, September 19, 2012

LIÇÃO BÁSICA DE JORNALISMO

Senhores jornalistas, atenção e muito cuidado para não cometerem um erro grave, mas, infelizmente, comum: assumir a fala da fonte como verdade e transformar o discurso da fonte no discurso do veículo.

Um exemplo pode ser visto no título de uma matéria na Gazeta do Povo de hoje: "Mano ignora sombra de Scolari" (Esportiva, p. 4).

Na verdade, Mano diz que ignora. Mas será que o jornal deve assumir isso como verdade? Aliás, será que alguém acredita que isso seja verdade? Que o Mano não está nem um pouco preocupado com a "sombra" do Felipão?

A solução é simples. O título deveria ser: "Mano diz ignorar sombra de Scolari". Havia espaço para isso, inclusive.

Neste caso concreto, não há graves consequências. Mas podemos pensar em inúmeros títulos e manchetes do tipo: "Governo vai investir XX bilhões no combate à fome". Basta o governo dizer que vai, e lá vão os veículos alardear como verdade o que o governo disse.

Infelizmente, é um erro grave e comum - e possivelmente, muitas vezes, ideologicamente voluntário...

 

Friday, September 07, 2012

CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIA DA PÁTRIA


Ouvi ontem matéria no rádio lamentando que as pessoas não sabem cantar o hino nacional... Lembrei-me então da célebre frase de Johnson: "O patriotismo é o último refúgio de um canalha". E me perguntei se sou um "patriota". Não, não sou. Amo o Brasil, gosto de ter nascido aqui. Mas não "daria a vida pela pátria". Não acho nenhuma falha de caráter alguém não saber cantar o hino nacional. Aliás, em geral, os hinos nacionais são horrorosos. Sobre o nosso, o Carlos Alberto Pessoa já publicou uma crítica feroz e muito bem feita (gostaria de lê-la de novo!). As letras, quase sempre, são bélicas, beligerantes, com exaltações descabidas. Mesmo alguns cuja melodia é linda têm letras de espantar - é o caso do hino francês, de melodia empolgante, mas com uma letra cheia de um ódio inacreditável.

Tenho horror às críticas despropositadas que tantas pessoas (dos mais variados níveis culturais) fazem à Argentina e ao Paraguai, por exemplo. Já estive inúmeras vezes no Paraguai, país que merece tanto respeito quanto qualquer outro e onde encontrei gente fantástica e muitas coisas ótimas e interessantes. Tenho nojo de frases do tipo "ganhar é muito bom, mas ganhar da Argentina é muito melhor" (ui!). A rivalidade Brasil-Argentina foi historicamente alimentada por interesses europeus contrários as sul-americanos - e tem "papagaios" que não percebem o que está por trás disso.

Fiquei feliz com a atitude do governo Lula de perdoar as dívidas que muitos países pobres tinham com o Brasil. A fome e a pobreza de um africano me doem tanto quanto a de um brasileiro. Sou cidadão brasileiro (e gosto de sê-lo), assim como sou cidadão italiano, mas sou sobretudo cidadão do mundo, parte do gênero humano, e acredito que um sudanês, um suíço e um brasileiro carregam o mesmo peso de serem humanos - esse bicho ao mesmo tempo tão maravilhoso e tão cheio de defeitos.

Minha pátria é o mundo, meus irmãos são todos os seres humanos. Tenho duas nacionalidades, mas gostaria de ter uma só, a planetária. Porque não se pode exaltar uma "pátria" melhor que outra quando o povo de um país sofre para que o de outro goze de boa vida.

Sunday, September 02, 2012


Qual a utilidade dos “Ramalhetes”?

Tomás Barreiros

O professor de filosofia Carlos Ramalhete publicou no dia 30/08 em sua coluna no jornal Gazeta do Povo (principal diário impresso do Paraná) artigo intitulado “Perversão da adoção”, no qual critica duramente a possibilidade de adoção de crianças por casais homossexuais. O texto causou polêmica e provocou reações justamente indignadas contra suas posições extremadamente conservadoras e “reacionárias” (entre aspas, para indicar que se adota aqui o sentido vulgar do termo).
O professor fez uso do seu direito democrático de expressão. Não há o que reparar quanto a isso. Felizmente, gozamos da total liberdade de pensamento (que não pode ser coibida senão pelo sutil domínio das consciências, geralmente obtido pela indução do medo interior, como o medo do pecado, por exemplo, que condena “os maus pensamentos”) e da liberdade de expressão do pensamento, esta regulada por lei – pois tem limites, como acontece com toda liberdade cujo exercício possa interferir em direitos de terceiros: é o caso da interdição legal à calúnia, à difamação e à injúria.
Entretanto, cabe questionar se um veículo de comunicação importante como é a Gazeta deve, em nome da pluralidade, abrigar qualquer opinião, por mais absurda que possa parecer ao juízo de muitos. Alguns argumentam que não cabe à imprensa acolher todas as opiniões, o que poderia afetar a ética jornalística, já que ser imparcial (dever teórico do jornalista) não significa “dar a Hitler o mesmo tempo que aos judeus”, conforme a irônica frase de Godard. De qualquer modo, o jornal escolhe quem deseja ver em suas páginas. E a divergência de opiniões sempre é salutar numa sociedade madura a ponto de não precisar temer sequer os argumentos de um Hitler.
Obviamente, quando escolhe alguém para ser seu colunista, um veículo de comunicação indica sua linha editorial. E isso é um dado útil para que o leitor conheça o veículo que lê. Um dos modos de expressão da ideologia de um jornal, para além dos editoriais, é a escolha de seu corpo de articulistas. Portanto, saber da existência de um Ramalhete entre os colunistas da Gazeta tem sua utilidade. Em relação ao padrão corrente da grande imprensa brasileira, a Gazeta do Povo é um bom jornal. Que ela abrigue em suas páginas os artigos frequentemente retrógrados de um Ramalhete é um dado importante para o leitor identificar melhor o alinhamento do jornal.
Entretanto, há outra utilidade mais relevante na publicação de artigos de tal jaez num jornal de grande circulação: é preciso que o leitor se posicione, explique-se a si mesmo diante das mudanças importantes pelas quais passa a sociedade atual. Deparar-se com as ideias de uma mentalidade mumificada como aquelas frequentemente apresentadas pelo colunista obriga o leitor a se posicionar ante o desvelamento do pensamento conservador que por séculos dominou a sociedade brasileira e que ainda subsiste em considerável parcela da população.
Portanto, independentemente da conveniência ou não de um grande veículo de comunicação publicar pensamentos como os de Ramalhete (que, evidentemente, não está só na grande mídia), eles são importantes para que o leitor reflita e se posicione ante temas cruciais que, mais dia, menos dia, afetarão a todos.