Qual a utilidade dos “Ramalhetes”?
Tomás Barreiros
O professor de filosofia Carlos Ramalhete publicou
no dia 30/08 em sua coluna no jornal Gazeta do Povo (principal diário impresso
do Paraná) artigo intitulado “Perversão da adoção”, no qual critica duramente a
possibilidade de adoção de crianças por casais homossexuais. O texto causou
polêmica e provocou reações justamente indignadas contra suas posições
extremadamente conservadoras e “reacionárias” (entre aspas, para indicar que se
adota aqui o sentido vulgar do termo).
O professor fez uso do seu direito democrático de
expressão. Não há o que reparar quanto a isso. Felizmente, gozamos da total
liberdade de pensamento (que não pode ser coibida senão pelo sutil domínio das
consciências, geralmente obtido pela indução do medo interior, como o medo do
pecado, por exemplo, que condena “os maus pensamentos”) e da liberdade de
expressão do pensamento, esta regulada por lei – pois tem limites, como
acontece com toda liberdade cujo exercício possa interferir em direitos de
terceiros: é o caso da interdição legal à calúnia, à difamação e à injúria.
Entretanto, cabe questionar se um veículo de
comunicação importante como é a Gazeta deve, em nome da pluralidade, abrigar
qualquer opinião, por mais absurda que possa parecer ao juízo de muitos. Alguns
argumentam que não cabe à imprensa acolher todas as opiniões, o que poderia
afetar a ética jornalística, já que ser imparcial (dever teórico do jornalista)
não significa “dar a Hitler o mesmo tempo que aos judeus”, conforme a irônica
frase de Godard. De qualquer modo, o jornal escolhe quem deseja ver em suas
páginas. E a divergência de opiniões sempre é salutar numa sociedade madura a
ponto de não precisar temer sequer os argumentos de um Hitler.
Obviamente, quando escolhe alguém para ser seu
colunista, um veículo de comunicação indica sua linha editorial. E isso é um
dado útil para que o leitor conheça o veículo que lê. Um dos modos de expressão
da ideologia de um jornal, para além dos editoriais, é a escolha de seu corpo
de articulistas. Portanto, saber da existência de um Ramalhete entre os
colunistas da Gazeta tem sua utilidade. Em relação ao padrão corrente da grande
imprensa brasileira, a Gazeta do Povo é um bom jornal. Que ela abrigue em suas
páginas os artigos frequentemente retrógrados de um Ramalhete é um dado
importante para o leitor identificar melhor o alinhamento do jornal.
Entretanto, há outra utilidade mais relevante na
publicação de artigos de tal jaez num jornal de grande circulação: é preciso
que o leitor se posicione, explique-se a si mesmo diante das mudanças importantes
pelas quais passa a sociedade atual. Deparar-se com as ideias de uma
mentalidade mumificada como aquelas frequentemente apresentadas pelo colunista
obriga o leitor a se posicionar ante o desvelamento do pensamento conservador
que por séculos dominou a sociedade brasileira e que ainda subsiste em
considerável parcela da população.
Portanto, independentemente da conveniência ou não
de um grande veículo de comunicação publicar pensamentos como os de Ramalhete
(que, evidentemente, não está só na grande mídia), eles são importantes para
que o leitor reflita e se posicione ante temas cruciais que, mais dia, menos
dia, afetarão a todos.
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